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The handle http://hdl.handle.net/1887/66712 holds various files of this Leiden University dissertation.

Author: Xavier, L.F.W.

Title: Sociabilidade do Brasil Neerlandês (1630 - 1654) Issue Date: 2018-10-30

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1. Prelúdio: neerlandeses e lusitanos, antes de 1630

“De Spanjaert schijnt wijs, en hy is ‘t niet.

De Fransman schijnt geck, en hy is ‘t niet.

d’Italiaen schijnt wijs te zijn, en hy is ‘t.

De Portugijs schijnt geck te sijn, en hy is ‘t.”

Jacob Cats1

Neste capítulo, apresenta-se uma descrição perfunctória da presença flamenga e neerlandesa em Portugal e no Brasil, bem como de portugueses no Norte da Europa, primeiro na Flandres e no Condado da Holanda e, após 1580, na República das Sete Províncias Reunidas dos Países Baixos, antes de 1630. Em seu trabalho considerado clássico sobre o tema, Engel Sluiter conclui que estudar o período anterior a 1621 “esclarece a antiguidade e, mais importante, a continuidade de interesses holandeses na colônia americana- portuguesa”, o que explica as tentativas de ocupação a partir de 1624.2 Para os propósitos deste trabalho, buscamos entender interações entre esses dois grupos antes de 1630, tentando facilitar o entendimento do período posterior a essa data.

Na primeira metade do século dezessete, nas regiões supracitadas, a presença de estrangeiros era uma constante. No caso da República, por volta de 1621, Amsterdam, a cidade mais importante, já era uma grande metrópole comercial, onde era possível ouvirem-se muitos idiomas diferentes.3 Um dos motivos para a presença de tantos estrangeiros era o alto padrão de vida que, juntamente com a “(...) relativa ampla tolerância em termos religiosos,

1. Jacob Cats “Reys-lesse, reys-spreucken. ‘t Samenspraeck tussen Philemon en Puden”.

Alle de wercken. Amsterdam 1700, 552-555. Apud, Marijke Meijer Drees. Andere landen, andere mensen De beeldvorming van Holland versus Spanje en Engeland omstreeks 1650. Den Haag: SDU Uitgevers, 1997. Para a citação, p. 6.

2. Engel Sluiter. “Os holandeses no Brasil antes de 1621”. In: Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, 1961, XLVI, pp. 187 – 207, p. 206.

3. Joke Spaans, “Stad van vele geloven 1578 – 1795”. In: Willem Frijhoff e Maarten Prak (ed.), Geschiedenis van Amsterdam, Centrum van de Wereld 1578 – 1650. Amsterdam:

SUN, 2004, pp. 385 – 467. Para a citação, p. 388. Essa presença de estrangeiros não escapou aos viajantes da época. O médico e diplomata inglês William Aglionby, em seu relato de 1669, afirma que “metade daqueles que habitam as cidades são ou estranhos ou descendentes deles”. Estranhos significa estrangeiros, manteve-se a tradução mais próxima do original. Cf. William Aglionby, The Present State of the United Provinces of the Low Countries. 2nd rev. ed. Londong, 1671, p. 223. Disponível em https://books.

google.nl/books?id=AYQ2AAAAMAAJ&hl=nl&source=gbs_slider_cls_metadata_7_

mylibrary (acessado em 12 de julho de 2017).

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[funcionaram] como um ímã para imigrantes” das regiões vizinhas, sendo que, por volta de 1650, um terço à metade da população de Amsterdam nascera fora das fronteiras da República.4 Desse modo, protestantes franceses e dos Países Baixos do Sul, bem como judeus ibéricos, os Sefardim, encontraram na República um local ideal para viver em sua religião e desenvolver seus negócios.

Mas não se pode perder de vista que esses imigrantes não formavam um bloco homogêneo; junto com o empreendedor abastado deslocava-se também o jornaleiro, o artesão e até mesmo aqueles sem recurso algum, apenas em busca de melhores oportunidades, onde não houvesse perseguição religiosa.5

Já em Portugal, a capital Lisboa, o maior porto lusitano, não era muito diferente. Veja-se o que Vítor Ribeiro diz a esse respeito: desde os “princípios da nacionalidade portuguesa, eram numerosos os flamengos e alemães que vem [a] Lisboa [para principalmente estabelecer] residência, exercendo aqui o comércio, as indústrias e ofícios mecânicos e até o mister da guerra, como bombardeiros e artilheiros”.6 Anos mais tarde, sem citar fontes, Diffie sustenta

4. Jan de Vries e Ad van der Woude. Nederland 1500 – 1815 De eerste ronde van moderne economische groei. Amsterdam: Uitgeverij Balans, 2005, p. 95; Jan Lucassen & Rinus Penninx, Newcomers immigrants and their descendants in The Netherlands 1550 – 1995.

Amsterdam/Gouda: Het Spinhuis, 1997, p. 19. Para a estatística, Erika Kuijpers,

“Wanhoopsmigratie. Of wat tienduizenden migranten in de zeventiende eeuw naar Amsterdam bracht”. In: Leidschrift, 23(2), 2008, pp. 43 – 62. Para a citação, p. 43. Ver também, Jan Lucassen, “The Netherlands, the Dutch, and Long-distance migration in the late sixteenth to early Nineteenth Centuries”. In: Nicholas Canny (ed.), Europeans on the move: studies on European migration, 1500 – 1800. New York: Oxford University Press, 1994, pp. 153 – 191.

5. Erika Kuijpers, “Wanhoopsmigratie.” p. 61. Cf. também Maarten Prak, “Velerlei soort van volk Sociale verhoudingen in Amsterdam in de zeventiende eeuw”. In: Jaarboek Amstelodameum 1999, 91, pp. 29 – 54.

6. Vítor Ribeiro, “Privilégios de estrangeiros em Portugal (ingleses, franceses, alemães, flamengos e italianos)”. In: História e Memórias da Academia das Sciências de Lisboa Nova Série, 2 classe. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1917, p. 16. Ribeiro transcreve um documento afirmando que a irmandade “da gente Framenga que naquele tempo era chamada a Irmandade dos Borgonhoens, nome que compreendia todas as Províncias sojeitas ao grande Duque de Borgonha” foi fundada em 12 de abril de 1414, ver p.

19. Para um estudo recente sobre estrangeiros em Lisboa, cf.: Kate Lowe, “The Global population of Renaissance Lisbon: Diversity and its entanglements”. In: Annemarie Jordan Gschwend e K. J. P. Lowe, The Global City On the Streets of Renaissance Lisbon.

Londres: Paul Holberton, 2015, pp. 56 – 75.

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que a presença de estrangeiros em Portugal é anterior a 1317 e que já na armada de Martim Afonso de Sousa havia não-lusitanos.7

Para Portugal, Joaquim Romero de Magalhães afirma, sem apresentar evidência empírica, que não havia limitação de naturalidade, mas sim de religião.8 Segundo a base de dados do Arquivo Nacional Torre do Tombo, na coleção Chancelaria de Dom Afonso V estão registrados ao menos 14 privilégios, graças e outros perdões outorgados a flamengos e outros estrangeiros que viviam em Lisboa, principalmente, datando desde 28 de maio de 1439, até 2 de agosto de 1471.9 Todavia, em Portugal até 1496, católicos, judeus e mouros (muçulmanos) conviviam diariamente. Nesse ano, D. Manuel I expulsou os mouros e os judeus. Sobre os últimos, aqueles que desejassem permanecer em terras lusas deveriam se converter ao catolicismo.

Após 1496, para os mouros, a entrada de estrangeiros islâmicos dependia de favor real; muitos conseguiram tal autorização e outros não.10 Ademais, ao investigar estrangeiros perseguidos pela Inquisição Portuguesa, Isabel Drumond Braga localizou um total de 10 flamengos e holandeses processados por serem renegados, ou seja, católicos que se converteram ao Islamismo.11 Braga explica que havia dois tipos de muçulmanos: renegados e mouriscos.

Os primeiros eram cristãos que, por um ou outro motivo, converteram-se ao islamismo; os mouriscos eram cristãos novos de mouros, ou seja, aqueles que se converteram ao cristianismo para permanecerem na Península Ibérica.

Braga não desenvolve como esses flamengos e holandeses se converteram ao islamismo, mas esclarece que geralmente renegados se convertiam, após serem capturados por piratas bérberes e serem escravizados ou mantidos no

7. Bailey W. Diffie, “The legal “privileges” of the foreigners in Portugual and sixteenth- century Brazil”. In: Henry H. Keith & S. F. Edwards (eds), Conflict & continuity in Brazilian Society. Columbia: University of South Carolina Press, 1969, pp. 1 – 19. Para as citações, p. 2 e 3.

8. Joaquim Romero Magalhães, “A sociedade”. In: idem, História de Portugal. Lisboa:

Editorial Estampa, 1993, pp. 469 – 509. Para a citação, p. 472.

9. Para uma listagem desses privilégios, ver Apêndice 1.

10. Cf. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Mouriscos e cristãos no Portugual Quinhentista Duas culturas e duas concepções religiosas em choque. Lisboa: Hugin Editores, 1999 e, da mesma autora, “Os estrangeiros e a justiça portuguesa durante o século XVI (1521 – 1578)”. In: Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, 1998, vol. 37, pp. 333 – 365. Para a citação, p. 342.

11. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Os estrangeiros e a Inquisição Portuguesa (séculos XVI – XVII). Lisboa: Hugin Editores, 2002, p. 153. Para a definição de renegado e mourisco, p. 151.

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cárcere.12 As dificuldades impostas durante a pesquisa no Arquivo Nacional Torre do Tombo inviabilizaram o estudo de privilégios posteriores a 1517.

Contudo, alguns dados levantados na documentação jesuítica, indicam que, após a Reforma e com instalação da Inquisição, ao menos os ingleses não podiam ser investigados pelo Santo Ofício e que o mesmo se aplicaria a outras nações, pois as liberdades garantidas eram iguais para todas.13

A presença lusitana na Europa do Norte data de pelo menos 1390, quando portugueses receberam salvo-condutos para estabelecer uma colônia em Middelburg, na Zeelândia, e posteriormente, em 1411, em Bruges.14 É preciso destacar que, para se instalar em determinada localização, mercadores portugueses e provavelmente de outras naturalidades europeias negociavam tratados comerciais e prerrogativas jurídicas e processuais. Acrescente-se que esses atores buscavam principalmente isenção de taxas e proteção de suas pessoas e bens.15 No caso da feitoria de Bruges, Portugal vendia produtos agrícolas e adquiria tecidos e armamentos.16 Desde 1488, a cidade de Antuérpia

12. Braga, Os estrangeiros e a Inquisição Portuguesa, pp. 154 – 158.

13. Arquivo Nacional Torre do Tombo, Tribunal do Santo Ofício, maço 66, documento 35, sem data. Esse documento é um parecer anônimo sobre uma consulta acerca de como proceder com os estrangeiros e a conclusão foi que caso estrangeiros cometessem atos heréticos tais como distribuir livros proibidos, poderiam ser processados pelo Santo Ofício. Para que os estrangeiros não alegassem desconhecimento, quando um navio aportasse, os estrangeiros deveriam ser informados disso. Sobre as liberdades consentidas para todas as nações, ANTT, Chancelaria D. Afonso V, Livro 15, fol. 55, 1 de junho de 1455, “João Pires francês recebe os mesmos privilégios que flamengos, alemães, franceses e bretões”. Não foi possível conferir o conteúdo desses privilégios devido aos problemas apresentados na Introdução.

14. Braga, Os estrangeiros e a Inquisição Portuguesa, p. 59 e Frans van Miers, Groot Charterboek der Graven van Holland, Zeeland en Heeren van Vriesland. Vol. 3. Leiden:

Pieter van der Eyk, 1755, p. 555. Disponível online em https://play.google.com/books/

reader?id=QGNUAAAAcAAJ&printsec=frontcover&output=reader&hl=en&pg=G BS.PA1349 (acessado em 17 de maio de 2017). Sobre contatos entre portugueses e holandeses no século XV, ver Robert van Answaard, “Dois arautos e um harpista. As missões diplomáticas de D. João I à Holanda”. In: História (Lisboa) 26 – 27, 1980 – 1981, pp. 44 – 59.

15. Flávio Miranda, “Conflict management in Western Europe: the case of the Portuguese merchants in England, Flanders and Normandy, 1250 – 1500”. In: Continuity and Change, 2017, 32(1), pp. 11 – 36. Para a citação, p. 15

16. Para a feitoria portuguesa em Bruges, ver A. H. de Oliveira Marques, “Notas para a História da Feitoria Portuguesa na Flandres, no século XV”. In: idem, Ensaios de História Medieval portuguesa. Lisboa: Vega, 1980, pp. 159 – 193. Para a citação, p. 192. Cf. Flávio Miranda, “Conflict management in Western Europe” e idem, “Commerce, conflits et

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oferecia aos estrangeiros, em Bruges, a possibilidade de residirem às margens do rio Escalda, mantendo os mesmos privilégios concedidos pelo Duque de Borgonha, em 1411.17 Assim, os lusitanos fundaram uma feitoria, por meio da qual os produtos do ultramar entravam na Europa do Norte.18 Percebe-se, pois, que as relações econômicas entre flamengos e portugueses eram muito intensas, já desde o final do século XIV.19

Ao analisar os diversos privilégios que a Coroa Portuguesa ofereceu a não- lusos, Vírgínia Rau concluiu que permitir a presença de estrangeiros era uma forma de “garantir relações comerciais permanentes e amplas entre os portos portugueses e as regiões do Norte e do Sul da Europa”.20 Entretanto, após a união das coroas lusitana e espanhola, em 1580, a política régia em relação aos estrangeiros nas colônias muda radicalmente, tentando garantir aos espanhóis os benefícios das terras de além-mar, mas excluindo “a los portugueses” do acesso às Índias.21 Após essa data, a presença de estrangeiros, individualmente ou em casas comerciais, principalmente os “rebeldes de Olanda”, deve ter sido numerosa, a ponto de chamar a atenção dos funcionários reais, que passam a ver nessa presença, sobretudo no caso de neerlandeses, uma ameaça para a Fazenda Real.22 Já no século dezessete, a Coroa espanhola deu ouvidos

justice: les marchands portugais en Flandre à la fin du Moyen Âge”. In: Annales de Bretagne et des Pays de l’Ouest, 2010, 117(1), pp. 193 – 208.

17. Florbela Veiga Frade, “Formas de vida e religiosidade na diáspora As esnogas ou Casas de Culto: Antuérpia, Roterdão e Hamburgo (Séculos XVI – XVII)”. In: Cadernos de Estudos Sefarditas, 2007, 7, pp. 185 – 219. Para a citação, p. 187.

18. Para a feitoria de Antuérpia, cf. Hermann Kellenbenz, “Relações econômicas entre Antuérpia e o Brasil no século XVII”. In: Revista de História, Departamento de História Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, n° 76, 1968, pp. 293 - 314 e Florbela Frade, “Formas de vida e religiosidade”, p. 188.

19. Para a feitoria de Antuérpia, cf. Hermann Kellenbenz “Relações econômicas entre Antuérpia e o Brasil”, p. 302.

20. Virgínia Rau, “Privilégios e legislação portuguesa referentes a mercadores estrangeiros (séculos XV e XVI)”. In: Hermann Kellenbenz (ed.), Fremde Kaufleute auf der Iberischen Halbinsel. Köln/Wien: Böhlau Verlag, 1970, pp. 15 – 30, p. 20.

21. Maria E. Rodrigues, “Los extranjeros en el Reino del Perú a fines del siglo XVI”.

In: J. Muluquer de Motes (ed.), Homenaje a Jaime Vicens Vives. Barcelona: Augustín Núñez, 1967, pp. 533 – 546. Para a citação, p. 533. Sobre a extensa legislação sobre os estrangeiros, Cf. Richard Konetzke, “Legislación sobre inmigración de extranjeros en América durante la epoca colonial”. In: Revista Internacional de Sociología, n. 3 (11), 1945, pp. 269 – 299.

22. “Carta de João de Teive sobre o dano que recebe nos direitos a Fazenda de Sua Magestade no comércio dos estrangeiros” de 9 de setembro de 1587. Arquivo Nacional Torre do

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às muitas queixas que recebera e, em 17 de março de 1607, determinou a expulsão dos estrangeiros de ultramar.23 Tal alvará data de 18 de março de 1605 e a justificativa “del Rey” se fundamentou, apesar das proibições anteriores da presença de estrangeiros no Brasil, no fato de que alguns particulares receberam licenças e contratos para enviar embarcações e mercadorias para todas as partes do Brasil. Contudo, os mesmos cometiam todo tipo de fraude, para lá irem comercializar ou viver. Sendo assim, o governo expulsa-os todos, sem distinção. Esse édito vai ser renovado em 1617, determinando que “(...) sayaõ loguo deste ditto estado todos os estrangeiros [que] nele viv[em] e residem. (...) de qualquer calydade e condiçaõ [que] seiaõ solteiros e Cazados, moradores e Residentes e passageiros (...)”.24 Pouco menos de um mês depois, a Coroa Espanhola enviou nova correspondência ao governador do Brasil, D.

Luis de Souza, na qual registra, ipsis verbis:25

E porque havendo considerado despois a materia se me offerecão inconvenientes para se não haver de executar geralmente a ordem referida [de expulsar todos os estrangeiros], hey por meu

Tombo, Corpo Cronológico, Parte I, maço 112, documento 27. Para a existência de casas comerciais neerlandesas em Lisboa, ver Cátia Antunes, “Failing institutions: the Dutch in Portugal and the tale of a Sixteenth-Century firm”. In: Storia Economica, 2015, pp. 331 – 348. Agradeço a Cátia Antunes por ter me fornecido uma cópia desse artigo.

23. “Carta régia de 17 de março de 1607 para Diogo Botelho”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, 1910, 73, pp. 12 – 14. Para a citação, p. 12. Para o alvará, Arquivo Nacional Torre do Tombo, “Registro de leis e ordens sobre a proibição de navegação de navios estrangeiros nos portos do Brasil”, Ministério do Reino, livro 360. O livro não está foliado. Em 23 de outubro de 2014 recebi de Christoffer Ebert transcrição particular de parte do referido alvará, que data de 18 de março de 1605. A ele o meu muito obrigado.

24. “Edital de 29 de janeiro de 1618”. In: João Paulo Salvado e Susana Münch Miranda (ed.) Livro 1° do Governo do Brasil (1607 – 1633). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001 [1958]. Doc. 68, p. 246. Esse edital foi publicado no Brasil na data supracitada, sendo decretado em 6 de setembro de 1617. Nesse mesmo mês de setembro de 1617, “el Rey” escreveu ao governador do Brasil, D. Luis de Sousa, o seguinte: “Todos os estrangeiros que ouver nesse estado importa muito / a meus serviços que logo se saiam delle comforme as provisõis que sobre isso são passadas, e que esta ordem se cumpra precisamente sem exceptuação de pessoas (...)”. Cf., João Paulo Salvado e Susana Münch Miranda (ed.) Livro 2° do Governo do Brasil (1607 – 1633). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001 [1927]. Doc. 20, p. 68.

25. Livro 2° do Governo do Brasil, p. 71.

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serviço que suspendaes o comprimento della e me informeis particularmente de cada hu dos estrangeiros que vivem nesse estado, de seus procedimentos, da confiança que entenderdes que se pode fazer delles e da fazenda e tratto que tem, e que havendo algus de que se tenha sospeita fundada que incitão e favorecem os estrangeiros os embarqueis logo para o reino a bom recado (...).

Ressalta-se que os editais mencionados acima são para as Américas. Os estrangeiros residentes na Península Ibérica poderiam continuar vivendo naquele território, mas era-lhes proibido comercializar com as colônias.

Embora não se tenham localizado os efeitos de tais editais, na carta “del Rey”

supracitada, há evidência de que ao menos um holandês fora expulso do Brasil, Alberto Scheraem Brabante.26

Todavia, os diferentes editais régios não foram obstáculos insuperáveis para que não-ibéricos se instalassem no Brasil e na América espanhola como um todo, pois, após a Reforma Protestante, mercadores flamengos/holandeses, passaram a se apresentar como católicos de Flandres ou como alemães de Hamburgo, ou a utilizar os portos menos frequentados, como Viana, para permanecer ativos no comércio ibérico; até mesmo lusitanizaram seus nomes, como demonstra o autor anônimo de uma representação para os Estados Gerais, em 1600.27 Embora no texto dessa petição não haja exemplos, apresentamos

26. Outro neerlandês que deixou o Brasil após o édito de Felipe III foi Manuel van Dale que apresentou uma petição para poder voltar ao Brasil. E. Stols, “Os mercadores flamengos em Portugal e no Brasil antes das conquistas holandesas”. In: Anais de História V, 1973, pp. 9 – 54. Para a citação, p. 37.

27. Rui Manuel Mesquita Mendes, “Comunidade flamenga e holandesa em Lisboa (séculos XV a XVIII): algumas notas históricas e patrimoniais”. In Ammentu Bollettino Storico e Archivistico del Mediterraneo e delle Americhe, 7, 2015, pp. 57 – 90. Para a citação, p. 75. Disponível em http://www.centrostudisea.it/ammentu/index.php/rivista/article/

view/197/200 (acessado em 18 de abril de 2017). Sobre as rotas de contrabando, ver Bernardo José Lópz Belinchón, “Sacar la sustancia al reino». Comercio, contrabando y conversos portugueses, 1621 – 1640”. In: Hispania, 61(3), 2001, 1017 – 1050. J. W.

IJzerman, na “Inleiding” (Introdução) do Journal van de reis naar Zuid-Amerika (1598 – 1601) Door Hendrick Ottsen, p. XVI, destaca que alguns notários de Amsterdam eram perítos em produzir passaportes falsos, a fim de enganar as autoridades ibéricas. Em uma representação para os Estados Gerais bastante conhecida na literatura, o autor sustenta que uma das formas de se manter o comércio com a Península Ibérica durante a Trégua dos Doze anos foi utilizar feitores portugueses ou holandeses em Portugal que adotaram nomes portugueses. Cf. “Deductie vervattende den oorspronck ende progres van de

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aqui três, dentre os muitos existentes na documentação: Hans le Petitet virou João Pequeno; em Lisboa havia o alfaiate Francisco Jeronimo, de Antuérpia, e Abraham Kabeljauw vira João de Araujo, para passar despercebido na sociedade colonial.28

Em seguida, trataremos da presença neerlandesa no Brasil e em Portugal, bem como da presença portuguesa nas Províncias Unidas, antes de 1630.

1.1 Neerlandeses no Brasil

Em trabalho recente, José Manuel Santos Pérez sustenta que, até o início do século XXI, a presença neerlandesa na América Portuguesa recebeu pouca atenção da academia, com exceção aos trabalhos de Sluiter e Stols.29 Recentemente, o tema chamou a atenção de investigadores brasileiros e americanos. Ao estudar o comércio “interimperial” do açúcar, Christopher Ebert conclui que, até 1630, “the logic of merchant activity in the Brazilian sugar trade was determined more by circuits of trade than by any particular national or religious affiliation”, sendo que, no caso dos neerlandeses, uma

vaart ende handel op Brasil, 1622”. In: H. Ottsen, Journael van de reis naar Zuid–

Amerika 1598 – 1601. ‘s–Gravenhage: Martinus Nijhoff, 1918, pp. 98 – 106.

28. Para João Pequeno, Arquivo Nacional Torre do Tombo, PT/TT/TSO-IL-28-855, 8-03- 1555, fol. 5r; para Francisco Jeronimo, PT/TT/TSO-IL-28-4024, 17-04-1597, fol. 16r.

Não se localizou o nome holandês de Francisco Jeronimio. No processo fica claro que Francisco Jeronimo e sua esposa estavam de partida para o Brasil. E para Abraham Kabeljauw, “Segunda Visitação do Santo Oficio às Partes do Brasil”. In: Anais do Museu Paulista XVII, 1963, pp. 351 – 526. A confissão de João de Araujo encontra-se nas pp.

433 – 436.

29. José Manuel Santos Pérez, “Os holandeses no Brasil em tempos de Felipe II de Portugal:

a preparação do “grande desafio” ou uma presença não planejada?”. In: Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, 2016, 69, pp. 15 – 39.

Para a citação, p. 17. Trata-se dos seguintes trabalhos: Engel Sluiter. “Os holandeses no Brasil antes de 1621” e Eddy Stols, “Os mercadores flamengos em Portugal e no Brasil antes das conquistas holandesas”. In: Anais de História V, 1973, pp. 9 – 54. Esse artigo é um resumo em português do seguinte trabalho: De Spaanse Brabanders, of de handelsbetrekking der Zuidelijke Nederlanden met de Iberische Wereld, 1598 – 1648.

Brussel: Paleis der Academiën, 1971. Para o impacto da presença neerlandesa na América Portuguesa e a ocupação de São Paulo, ver Rafael Ruiz. “The Spanish-Dutch war and the policy of the Spanish Crown toward the town of São Paulo”. In: Itinerario, 2002, 26(1), pp. 107 – 125.

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permanência curta no Brasil fazia parte do treinamento de comerciantes iniciantes nas grandes casas comerciais.30

Segundo Pérez, a presença neerlandesa na América Portuguesa manifestava- se das seguintes formas: primeiramente, seriam aquelas pessoas “comerciantes legítimos ou não”. Em segundo lugar, houve tentativa de construção de fortificações em lugares ainda não reclamados pela monarquia espanhola, sobretudo na região do rio Amazonas. Por fim, muitos eram, além de comerciantes ou colonos, também espiões ou informantes.31

Qualquer que fosse o objetivo dos neerlandeses, o fato é que, junto com franceses, estavam presentes no Brasil já na época de Tomé de Sousa, governador geral entre 1549 e 1553, sendo que, no início do século XVII,

“viviam na Bahia flamengos com o beneplácito das autoridades”.32 Alguns flamengos, inclusive, eram pagos pela coroa, como João Gorvaca Flamengo e João Flamengo de Olanda, que receberam do Tesouro Real, em Salvador da Bahia, pagamento pelos serviços prestados.33 No século dos seiscentos, pessoas identificadas como flamengas seriam de fato neerlandesas, pois nas fontes portuguesas o termo “flamengo” tem um sentido genérico, remetendo- se tanto aos naturais de Flandres, quanto aos naturais da República, após 1572, como é o caso de Nicolau Croque Hans, flamengo, “natural dolanda”

[sic] ou Matheus, mestre da nau São Jorge, flamengo, “natural de Olanda”

[sic], de Rotterdam.34

30. Christopher Ebert, Between Empires: Brazilian Sugar in the Early Atlantic Economy 1550 – 1630. Leiden/Boston: Brill, 2008, pp. 64 e 69.

31. José Manuel Santos Pérez, “Os holandeses no Brasil”, p. 17.

32. Eduardo d’Oliveira França e Sônia A. Siqueira, “Segunda visitação do Santo Ofício às partes do Brasil pelo inquisidor e visitador o licenciado Marcos Teixeira Livro das confissões e ratificações da Bahia: 1618 – 1620”. In: Anais do Museu Paulista 1963, vol.

XVII, pp. 123 – 526. Para a citação, p. 152.

33. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. XIV, pp. 14 e 40.

Eddy Stols apresenta vários flamengos que viviam no Brasil antes de 1630 em “Os mercadores flamengos em Portugal e no Brasil antes das conquistas holandesas”. In: Anais de História V, 1973, pp. 9 - 54; “Dutch Flemish victims of the inquisition in Brazil”.

In: Jan Lechner (ed.), Essays on cultural identity in Colonial Latin America Problems and repercussions. Leiden: Vakgroep Talen en Culturen van Latijns Amerika, 1988, pp. 43 – 61 e De Spaanse Brabanders, of de handelsbetrekking der Zuidelijke Nederlanden met de Iberische Wereld, 1598 – 1648. Bruxelas: Paleis der Academiën, 1971.

34. Arquivo Nacional Torre do Tombo, PT/TT/TSO-IL-28-5943, 19-10-1556, fol. 3r, para o Mestre Matheus, PT/TT/TSO-IL-28-4024, 17-04-1597, fol. 17r.

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Além do já citado Alberto Scheraem Brabante, quais outros flamengos e neerlandeses estiveram no Brasil? Em seu estudo, Stols identificou 587 indivíduos ou famílias naturais do Norte Europeu envolvidos no comércio, na área de influência ibérica. Destes, 175 estiveram no Brasil.35 Um deles era Willem Joosten Glimmer, que viveu na capitania de São Vicente, em 1600, quando viajou até a nascente do Rio São Francisco, juntamente com portugueses, indígenas e outro neerlandês não nomeado, entregando posteriormente um relatório de sua experiência na América Portuguesa.36em 28 de setembro de 1604, Sebastião Pires, piloto na nau Cervo Volante, cujo mestre era o holandês Gerrit Egbertsen, morador de Pernambuco, declarou que, em janeiro de 1604, transportou o governador Diogo Botelho e mais pessoas na referida nau. Nessa mesma declaração há referência a Pero Holstre [sic], morador em Pernambuco.37 Aliás, Botelho tinha a seu serviço ao menos um neerlandês chamado Anrique Flamengo.38

Em 1600, Hendrick Ottsen e outros quatro membros não nomeados de sua expedição estiveram presos na Bahia, depois que seu navio foi destruído pelos portugueses.39 Ottsen era capitão do navio Silveren Wereld e por necessidade – uma epidemia de escorbuto grassou a embarcação –, parou na Bahia de Todos os Santos para adquirir água fresca, laranjas e limões. Ottsen e outros quatro tripulantes desembarcaram e conversaram com o governador Álvaro de Carvalho. Este mostrou-se primeiro solícito, mas posteriormente acabou aprisionando o grupo e destruindo o navio. Durante sua estadia, esses cinco prisioneiros podiam andar pelas ruas de Salvador; assim, tiveram muito contato com a população, que lhes fornecia mantimentos, pois a ração que recebiam do governo era muito limitada. Depois de uma tentativa fracassada de fugir, foram presos novamente e receberam autorização para andar pelas ruas, sendo que a população parou de auxiliá-los com mantimentos. No final de maio de 1600, a história fica mais ilustrativa. Nessa altura, chegou a Salvador “um grande Senhor” com quem o primo de Ottsen realizara muitos negócios em Lisboa. Ottsen se apresentou a esse mercador, que negociou a liberdade dele

35. E. Stols, De Spaanse Brabanders, Bijlagen, pp. 1 – 71; C. Ebert, Between Empires, p. 73.

36. Para uma transcrição do original em neerlandês ver, Ben N. Teensma. Suiker, verfhout

& tabak Het Braziliaanse handboek van Johannes de Laet. Zutphen: Walburg Pers, 2009, pp. 140 – 151.

37. “Affidavit of Sebastião Peres concerning a voyage to Pernambuco”. In: Studia Rosenthaliana, volume III, 1969, p. 235.

38. E. Stols, “Os mercadores flamengos em Portugal”, p. 35.

39. Ottsen, De reis naar Zuid-Amerika, pp. 61 – 80.

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e a de seus homens; depois de muita espera, retornaram às Províncias Unidas, em uma embarcação alemã.40

A documentação portuguesa nos informa que, quatro meses após chegar a Pernambuco, Diogo Botelho, governador geral do Brasil, entre 1602 e 1607, escreveu uma carta para o Conde de Linhares, na qual afirma que já estando há quatro meses em Pernambuco, chegou à costa uma armada de “naos olandezas”, com oito embarcações, que tentaram capturar alguma presa ou desembarcar alguma gente, ambas tentativas fracassadas.41 Em 15 de março de 1603, pouco mais de um ano após a chegada do governador a Pernambuco, Simão Traques juntamente com “certos flamengos” e portugueses, tentaram subornar Botelho para que ele ficasse no Recife; alguns foram presos e Botelho não aceitou a oferta.42 Já em carta de 16 de março de 1607, El Rey ordena que o governador observe as pessoas de “respeito”, para ver se trocavam correspondência com os “rebeldes framengos” e que os considerados culpados deveriam ser rigorosamente punidos.43

Os manuscritos revelam também que os “rebeldes de Olanda” mantiveram Diogo Botelho um tanto quanto ocupado. A Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil publicou, em 1910, quinze cartas régias para Botelho, juntamente com várias declarações e atestados sobre seu governo. Dessas quinze cartas régias, dez tratam de armadas holandesas que seguiram para atacar o Brasil. Uma dessas armadas foi a de Paulus van Caerden. Em 6 de novembro de 1603, Van Caerden foi comissionado pelos Estados Gerais para construir uma fortaleza no Brasil e, a partir dela, atacar navios espanhóis no

40. Ottsen, De reis naar Zuid-Amerika, p. 69.

41. “Carta de Diogo Botelho sem destinatário de 23 de agosto de 1602”. Arquivo Nacional Torre do Tombo, Jesuítas, maço 71, documento 2. Pelo contexto, infere-se que o destinatário era o Conde de Linhares. Agradeço imenso ao dr. Pablo Iglesias Magalhães por ter chamado a minha atenção para esse documento. Para uma biografia de Diogo Botelho ver a introdução à Correspondência Regia publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910, vol. 73 (1), pp. VII – X.

42. “Declaração dos juízes, vereadores e procurador de Olinda sobre Diogo Botelho em 15 de março de 1603”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910, vol. 73 (1), pp. 27 – 28. Os dados coletados indicam que Traques era de fato alemão e contrabandeava pau brasil na embarcação Três Reis Magos, na qual havia um escrivão flamengo não nomeado. Biblioteca da Ajuda, “Auto de confisco da urca Três Reis Magos”

de 25 de janeiro de 1603, cota 51-V-48, fols. 301r até 302v.

43. “Carta para Diogo Botelho de 16 de março de 1607”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1910, vol. 73 (1), p. 22.

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Atlântico Sul.44 Embora essa expedição tenha tido pouco sucesso, Caerden confiscou algum açúcar e essa operação vai gerar uma disputa jurídica nas Províncias Unidas, entre os portugueses interessados nesse carregamento e o Almirantado da Holanda.45

Outro funcionário régio que se viu às voltas com os neerlandeses foi Alexandre de Moura, capitão de Pernambuco, em 1613 e 1614. Nesse período, El Rey informa ao governador geral Gaspar de Sousa sobre supostas armadas “de rebeldes de Olanda”, que pretendiam “emprender aquela praça este ano [1613] e forteficarem se em algu dos portos daquele districto”.46 Na documentação neerlandesa, localizou-se apenas uma expedição em 1614, a comandada por Joris van Spilbergen. Nascido na Antuérpia, em 1568, Spilbergen realizou diferentes viagens exploratórias, sendo que, em 1600, esteve brevemente no Brasil e participou da expedição de pilhagem (rooftocht) de Balthasar de Moucheron.47 Em 1614, fora encarregado pela Companhia das Índias Orientais (Verenigde Oostindische Compagnie, VOC) e pelos Estados Gerais de explorar o Estreito de Magalhães; ele deixou as Províncias Unidas em agosto daquele ano, retornando em 1617.48 Apesar de a comissão de Spilbergen pelos Estados Gerais e pela VOC não ter sido encontrada, seu objetivo era reconhecer o Estreito de Magalhães e atacar os espanhóis no Chile e no Peru. Embora a estadia no Brasil tenha sido somente para reabastecer seus navios de água, lenha e alimentos, não foi completamente pacífica. A frota ancorou na Ilha Grande, em 20 de dezembro, e dez dias depois foi atacada por “cinco canoas (...) com portugueses e mestiços, que acometeram nossos três barcos com grande violência, massacrando toda nossa gente (...)”.49 Para

44. Jaap. R. Bruijn, The Dutch navy of the Seventeenth and Eighteenth Centuries. South Carolina: University of South Carolina Press, 1993, p. 22. Para as resoluções dos Estados Gerais referentes à expedição de Paulus van Caerden, ver, Resolutiën van de Staten Generaal, volume 12, p. 396, nota 1.

45. Resolutiën van de Staten Generaal, volume 13, pp. 433 e 499.

46. Livro 2° do Brasil, p. 188. Esse mesmo tema volta no documento 87, pp. 189 – 190 e documento 143, de 26 de agosto de 1614, pp. 248 – 249.

47. Molhuysen, P. C., Nieuw Nederlandsch biografisch woordenboek. Leiden: A. W. Sijthoff, 1911 – 1937, 10. vol. Para Joris van Spilbergen, vol. 2, col. 1352 e 1353. Disponível em http://resources.huygens.knaw.nl/retroboeken/nnbw/#page=0&accessor=accessor_

index&view=imagePane (acessado em 19 de maio de 2017).

48. Joris van Spilbergen, De reis om de wereld 1614 – 1617. ‘s-Gravenhage: Martinus Nijhoff, 1943. A parte referente a sua estadia no Brasil, mais precisamente, na Ilha Grande e em São Vicente, encontra-se nas páginas pp. 5 – 21.

49. Spilbergen, De reis om de wereld, p. 8. Outros exemplos encontramos nas páginas 16, 17

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os propósitos desse trabalho, o trecho mais relevante da obra é a descrição do comércio com os portugueses. Logo que ancoram em São Vicente, uma delegação é enviada a terra para tratar com os portugueses e são informados de que era proibido comercializar com os neerlandeses. Mas, “com negociações secretas, recebemos dos portugueses diversas frutas, porcos, galos, açúcar e algumas conservas”.50 As diferenças legais foram acomodadas em função do comércio, já que a economia “tem razões que a guerra não conhece, e, por isso, ignora as razões da guerra”.51

Em 14 de agosto de 1609, Pieter Beltgens, comerciante em Amsterdam, afirmou perante o notário Jan Fransz Bruyningh, que morara no Brasil por 6 anos. O mesmo declarou Pieter du Molijn, que entre 1594 e 1606 residira no Brasil, sem mencionar, entretanto, o local onde permaneceram.52 Em 1616, no Pará, no rio do mesmo nome, havia holandeses e franceses vivendo no meio dos nativos, a fim de aprenderem seu idioma.53 Segundo essa mesma fonte, esses holandeses aguardavam uma esquadra de 15 naus holandesas para construir uma fortificação. Por fim, em 1617, Dirck Pietersen, carpinteiro, encontrava-se no Espírito Santo. Seu mau comportamento rendeu-lhe uma condenação pelas autoridades jurídicas de Salvador da Bahia, mas, em junho de 1621, seu paradeiro era desconhecido.54

Já frei Vicente do Salvador, em seu História do Brasil, afirma que, por volta de 1599, vivia na ilha de Itaparica Duarte Osquier, flamengo casado com portuguesa e bem antigo na terra.55 Trata-se de Evert Hulscher, um dos cinco irmãos Hulscher envolvidos no comércio transatlântico e, segundo Boogaart e colaboradores, em 1593, cada um dos irmãos encontrava-se num dos pontos da rota de comércio na qual atuavam, a saber: Adam estava em Hamburgo, Hendrick em Antuérpia, Karel em Vigo, na Espanha, Jacob nas Ilhas Canárias

e 19.

50. Spilbergen, De reis om de wereld, p. 15.

51. Eduardo D’Oliveira França e Sonia A. Siqueira, “A Bahia e o Atlântico”. In: Anais do Museu Paulista, XVII, 1963, pp. 129 – 349. Para a citação, p. 157.

52. “Deed based upon an interrogation held at the request of Gaspar Lopes Homem, Duarte Fernandes and Sebastião de Leão concerning transshipping goods at sea that came from Brazil”. In: Studia Rosenthaliana, volume V, número 1, janeiro de 1971, p. 110.

53. Livro 2° do Governo do Brasil, pp. 21 – 22.

54. “Depoimento de Manuel Viegas, a pedido de Leonart de Beert perante o notário Sibrant Cornelisz.” de 19 de julho de 1621. In: Studia Rosenthaliana XIX (2), 1985, p. 176.

55. Frei Vicente do Salvador, História do Brasil 1500 – 1627. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1982. Citação, p. 252.

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e Evert no Brasil.56 Evert Hulscher estava tão adaptado à sociedade colonial, que um dos filhos, Antônio da Trindade, entrou para a Ordem de São Bento, na Bahia, alcançando cargos muito elevados.57 Em 1618, Evert Hulscher é listado como morador em Pernambuco, já estando nas partes do Brasil há 39 anos. 58

Além dos Hulscher, Frei Vicente nomeia também Francisco Duchs [sic], capitão flamengo capturado próximo ao Rio de Janeiro, que ficou muito tempo preso em Salvador e, posteriormente, em 1624, por ter muito conhecimento da terra, fez parte da armada que atacou a Bahia de Todos os Santos.59 Francisco Duchs é, de fato, Dierick Ruiters, autor de Toortse der zee-vaart, no qual apresenta as informações que recolheu durante seu encarceramento no Brasil.60 Não se localizou quando e onde nascera e a evidência indica que ainda era muito jovem quando se lançou pela primeira vez ao mar.61 Quando publicou o Toortse der zee-vaert, Honoré Naber, em sua Introdução, dedica pouca atenção ao fato de que Ruiters já estivera no Brasil em 1608, quando fora preso na Paraíba, escapando logo depois.62 Dierick retornaria ao Brasil em 1617, quando visitou Sergipe del Rey; nesse mesmo ano, foi preso novamente, desta vez em Angra dos Reis, ao sul do Rio de Janeiro. Foi transferido para o Rio de Janeiro em 1618 e em seguida para Pernambuco e Salvador da Bahia.63 Esse encarceramento durou cerca de trinta meses, período no qual teve oportunidade de conviver com portugueses.64 No texto de seu

56. E. van den Boogaart, P. Emmer, Peter Klein e K. Zandvliet. La expansión holandesa en el Atlántico, 1580 – 1800. Editorial Mapfre: Madrid, 1992, p. 77

57. José Lohr Endres, OSB. Catálogo dos Bispos, Gerais Provínciais, Abades e mais Cargos de Ordem de São Bento no Brasil, 1582 – 1975. Salvador: Ed. Beneditina, 1976, pp. 149 e 150. Agradeço a Pablo Magalhães por ter chamado a minha atenção para esse fato.

58. Livro 1° do Brasil, p. 222.

59. Frei Vicente do Salvador, História do Brasil, p. 351.

60. Agradeço a Pablo Iglesias Magalhães e a Benjamin Teensma por terem chamado a minha atenção para esse fato. Cf, Dierick Ruiters, Toortse der zee-vaart. ‘s-Gravenhage:

Martinus Nijhoff, 1913. O texto original foi publicado em 1623.

61. S. P. L’Honoré Naber, “Inleiding”. In: Dierick Ruiters, Toortse der zee-vaert. ‘s-Gravenhage:

Martinus Nijhoff, 1913, pp. XII – LI. Para a citação, p. XIII e XIV.

62. Cf. “Carta de D. Diogo de Menezes para o Rei”, de 4 de dezembro de 1608. In: Anais da Biblioteca Nacional, 57 1935, p. 58. Nessa carta há referência a Francisco Duchs e Manuel van Dale, esse último estava preso e fora enviado para Lisboa.

63. S. P. L’Honoré Naber, “Inleiding”, p. XV.

64. Ruiters, Toortse der zee-vaart, p, VI. No original: (...) ick oock listelijck betrapt zijnde (die door Gods genade miraculeuslijck weder ben ontcomen) dertigh maenden, met de Portugijsen

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Toortse der zee-vaart, Ruiter deixa transparecer que falava português (não é surpreendente, devido à duração de sua prisão), ao afirmar que lera o diário de viagem de um certo português.65

Na documentação inquisitorial há diversos processos contra flamengos que estavam ou estiveram no Brasil nesse período.66 Em 1593, estava no Brasil Alberto Rodrigues, flamengo, denunciado ao Santo Ofício por ter chamado Luis Mendes de judeu.67 Antônio Vilhete, flamengo, foi denunciado e processado por proposições heréticas.68 Havia também em Pernambuco Maria de Almeida, flamenga, mulher do mundo, para dar somente alguns exemplos.69 Por fim, é digno de nota que, além dos que viviam no Brasil, alguns neerlandeses, como Jan Jansz Backer e Jacob Geurtsz Cleijnsorch, fizeram a travessia do Atlântico repetidas vezes para comerciar no Brasil, como eles mesmos declaram perante o notário Jan Fransz Bruyningh.70

Um exemplo paradigmático é o de João de Araújo, aliás Abraham Kabeljauw, natural de Leiden.71 João de Araújo compareceu perante o Santo Ofício em 16 de setembro de 1618, com 26 anos, já vivendo na Bahia há dez anos. Afirma também que, em Leiden, fora instruído na religião Calvinista, mas desde que

(ghevanghen) langs die Custen van America 3. ende 400. mylen weegs hebbe moeten swerven, somtijt in yseren ghesloten, somtijts met touwen ghebonden, en soo over ‘tlant gheleyt, somtijts oock los en liber met schepen en passage bercken op de zee ghevaren (...)

65. Ruiters, Toortse der zee-vaart, p, 27.

66. Para um estudo aprofundado sobre os estrangeiros e a inquisição, ver Isabel M. R.

Mendes Drumond Braga, Os estrangeiros e a Inquisição Portuguesa (séculos XVI – XVII).

Lisboa: Hugin Editores, 2002.

67. José Antônio Gonsalves de Mello, Denunciações e confissões de Pernambuco, 1593 – 1595:

primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil. Recife: Fundarpe, 1984. Para a citação, pp. 86 – 87.

68. Denunciações e confissões de Pernambuco, pp. 165 e 232. Para o processo, ver Arquivo Nacional Torre do Tombo, PT/TT/TSO-IL-28-6355.

69. Denunciações e confissões de Pernambuco, pp. 355 – 356.

70. “Deed based upon an interrogation held at the request of Gaspar Lopes Homem, Duarte Fernandes and Sebastião de Leão concerning transshipping goods at sea that came from Brazil”. In: Studia Rosenthaliana, volume V, número 1, janeiro de 1971, p. 110.

71. Para o mesmo ver: Eddy Stols, “Dutch and Flemish victims of the Inquisition in Brasil”.

In: Jan Lechner (ed.) Essays on Cultural Identity in Colonial Latin America Problems and repercurssions. Leiden: TCLA, 1988, pp. 43 – 61. Para a citação, p. 59. Para a confissão de João de Araujo (Abraham Kabeljauw) ver: “Segunda Visitação do Santo Oficio às Partes do Brasil”. In: Anais do Museu Paulista XVII, 1963, pp. 351 – 526. A confissão de João de Araujo encontra-se nas pp. 433 – 436. O documento original encontra-se no Arquivo Nacional Torre do Tombo, PT/TT/TSO-IL/038/0783, fols. 68 – 70v.

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se passou para a Bahia, fingia ser católico, comungando e confessando, por

“temer que lhe sucçedesse algumal [sic]” caso se descobrisse que era calvinista.72 Em sua confissão, explica também que se apresentava como inglês, para que não fosse expulso, como determinavam os editais reais.73 Não se localizou se ele de fato abjurou a religião calvinista.

Até aqui, discorremos sobre a presença de neerlandeses e flamengos em Portugal e no Brasil e como conviviam com portugueses; comerciando, como será demonstrado mais abaixo, e trocando ideias e informações. Para tal, empregavam diferentes estratégias, uns acomodavam diferenças religiosas e linguísticas, enquanto outros lusitanizavam seus nomes, mascaravam sua religião e naturalidade, a fim de não sobressair na sociedade, atraindo atenção indesejada, como a da Inquisição. Esse convívio não aconteceu exclusivamente em regiões lusófonas, mas também fora delas. Para ter uma visão mais ampla, incluiu-se como portugueses, católicos ou judeus atuavam na República das Sete Províncias Unidas.

1.2 Portugueses na República

Como se mencionou, a presença de portugueses no Condado da Holanda e no da Flandres é anterior a 1390. Com o passar dos anos, Antuérpia, em Flandres, tornou-se um importante centro comercial na Europa do Norte, no qual a feitoria lusitana realizava muitos negócios.74 O início dos conflitos da guerra entre a nascente República Neerlandesa e a Espanha em 1572, dificultou muito as atividades econômicas na Antuérpia, inclusive dos neerlandeses e dos Sefardim. Desde então, muitos procuraram refúgio, por exemplo, em Colônia, Hamburgo e nas Províncias Unidas. Após o bloqueio do rio Escalda pelos neerlandeses, em 1585, gradualmente Antuérpia foi perdendo sua posição econômica para Amsterdam.75

Os comerciantes portugueses, fossem católicos ou sefarditas, que se deslocaram para a República, levaram consigo seus negócios.76 No início do

72. “Segunda visitação do Santo Ofício”, pp. 435 – 436.

73. “Segunda visitação do Santo Ofício”, pp. 433.

74. Hermann Kellenbenz, “Relações econômicas entre Antuérpia e o Brasil no século XVII”. In: Revista de História, Departamento de História Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, n° 76, 1968, pp. 293 – 314.

75. Jonathan I. Israel, Dutch Primacy in World Trade 1585 – 1640. New York, 1989. Para a citação, pp. 28 – 30.

76. Marco Antonio Nunes da Silva, O Brasil holandês nos Cadernos do Promotor: Inquisição

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século dezessete, o comércio entre as Províncias Unidas e Portugal já funcionava há muitos anos e os portugueses continuaram a receber salvaguardas para residir e comercializar na República. Salvaguardas anteriores a 1580 foram reconfirmadas pelos Estados Gerais em 19 de junho de 1581, após a união das coroas de Portugal e Espanha.77 Posteriormente, em 30 de outubro de 1603, os Estados Gerais autorizaram os portugueses residentes “nessas terras”

a comercializar fora dos limites da Europa, nas mesmas condições que todos

“os moradores das Províncias Unidas”.78 Consigne-se que, embora cerca de 80% dos portugueses estivessem envolvidos no comércio, havia ainda outros 20% atuando como açougueiros, boticários, barbeiros, médicos e professores, para apresentar somente alguns exemplos.79

Sobre os sefarditas, J. S. da Silva Rosa, em seu trabalho seminal, defende que os primeiros judeus portugueses colocaram os pés em Amsterdam por volta de 1593.80 Era o começo de uma comunidade judaico-portuguesa na capital da jovem República das Sete Províncias Unidas. Sobre a extensão dessa comunidade, Benjamin Teensma sustenta que não é possível determinar com exatidão sua população, estimando que, no final do século XVII deveria ser de algo em torno de três mil pessoas.81 Com efeito, em documentos oficiais, essas pessoas preferiam ser retratadas como “mercadores portugueses” ou simplesmente “da nação portuguesa” ao invés de “judeus”; logo, para eles era mais importante serem reconhecidos pela sua naturalidade do que por sua

de Lisboa, século XVII. Tese de doutoramento não publicada, defendida em dezembro de 2003, USP, pp. 26 e 132 – 133.

77. NL-HaNa_SG 1.01.02, inv. 12561.33, [1600] “Stukken betreffende de bemoeiingen van de Staten Generaal met schade, door Portugese kooplieden geleden en hun toegebracht door de Spanjaarden”. Nesse documento há referência a salvagaurdas recebidos em 22 de outubro de 1577. Para versões impressas dessas salvaguardas, NL- HaNa_SH 3.01.04.01, inv. 36, fol. 308 – 321.

78. “Resoluções dos Estados Gerais”, Arquivo Nacional em Haia, número de chamada 1.01.02, inventário 3150, fol. 792r – 793r.

79. Os exemplos aqui apresentados e muitos outros se encontram em Daniel M. Swetschinski, Reluctant cosmopolitans: the Portuguese Jews of seventeenth-century Amsterdam. Portland:

The Littman Library of Jewish Civilization, 2004 [2000], p. 102 – 103.

80. J. S. da Silva Rosa, Geschiedenis des Portugeese Joden te Amsterdam. Amsterdam: Menno Hertzerberger, 1925, p. 1.

81. B. N. Teensma, “Os judeus portugueses em Amesterdão”. In: J. Everaert e E. Stols (orgs.), Flandres e Portugal na conflência de duas culturas. Lisboa: Edições Inapa, 1991, pp. 275 – 288. Para a citação, p. 277.

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religião.82 Além disso, no dia a dia mantinham sua identidade portuguesa e seu idioma, de preferência, era o português.83 O arquivo notarial de Amsterdam e o Arquivo Nacional em Haia estão repletos de diferentes tipos de documentos redigidos em português. Dos diferentes notários utilizados por portugueses e seus associados, ao menos um, David Mostart, falava português, pois em uma declaração de 22 de novembro de 1612, o mesmo afima que “(...) agiu como intérprete e declara que traduziu o conteúdo da ata fielmente”.84

Dos muitos exemplos que a documentação e a literatura secundária oferecem, apresentaremos aqui os que consideramos mais ilustrativos.85 Comecemos por aqueles que viviam em território neerlandês, mas também viajavam entre o Brasil e a República, como João Castelli, que fora morador em Pernambuco, mas, em 1604, encontrava-se em Amsterdam, comercializando pau-brasil com seus associados de Hamburgo.86 A documentação confirma que Castelli voltou ao Brasil pouco depois disso, já que, em 11 de fevereiro de 1605, Manuel Rodrigues depõe, perante o notário Lieven Heylinc, que João Castelli carregara dez caixas de açúcar no navio de Claes Craemer, em Pernambuco.87 Outro português que circulava entre o Brasil e as Províncias Unidas era Afonso Fidalgo, natural da Madeira, mas que em 1604 residia em Antuérpia. Em 16 de setembro de 1604, Afonso Fidalgo compareceu perante o notário David Mostart para fechar um acordo com Manuel Lopes Homem, a

82. J. G. van Dillen, “Vreemdelingen te Amsterdam in de eerste helft der zeventiende eeuw”. In: Tijdschrijft voor Geschiedenis 1935, 50, pp. 4 – 35. Para a citação, p. 7. Jessica Vance Roitman por sua vez conclui que nos contratos notariais a afiliação religiosa dos sefarditas raramente era mencionada. Cf. Jessica Vance Roitman, The same but Different?

Inter-cultural trade and the Sephardim, 1595 – 1640. Leiden/Boston: Brill, 2011, p. 51.

83. Willem Frijhoff en Marijke Spies, 1650 Bevochten eendracht. Den Haag, Sdu Uitgevers, 1999, p. 122.

84. “Copies of two deeds concerning shipments organised by Gomes Rodrigues Milão for Manoel Cardoso Milão in Pernambuco”. In: Studia Rosenthaliana, 1972, v. 6(1), pp.

120 – 121. Para uma amostra de Atas Notariais envolvendo portugueses e neerlandeses, ver Studia Rosenthaliana como indicado em diferentes notas ao longo desse trabalho.

85. Para exemplos de portugueses em Amsterdam, cf.: por exemplo, Jessica Vance Roitman, The same but different? Inter-cultural trade and the Sephardim, 1595 - 1640. Leiden/

Boston: Brill, 2011.

86. “Affidavit of João Castelli that a consignment of Brazil-wood belongs to Manuel Rodrigues Vega, 25 de março de 1604”. In: Studia Rosenthaliana, volume III, 1969, p.

87. “Affidavit of Manuel Rodrigues Vega to the effect that certain chests of sugar transported 114.

by João Castelli belong to him”. In: Studia Rosenthaliana, volume III, 1969, p. 240.

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respeito de escravos que Fidalgo entregara no Brasil.88 Como último exemplo, temos o caso de Diogo Vaz de Sousa e de Simão Rodrigues, os quais, contra as leis régias, deslocaram-se até Amsterdam para, naquela cidade, junto com flamengos, carregarem um navio com todo tipo de mercadorias e levarem- no para o Brasil. “El Rey”, Filipe III de Espanha e II de Portugal, avisou ao governador geral do Brasil, Gaspar de Sousa, que os prendesse tão logo pusessem os pés em qualquer parte do território sob sua jurisdição.89

De resto, os dados coletados em diferentes fontes revelaram que algumas pessoas já se conheciam nas Províncias Unidas antes de partirem para a Nova Holanda. O exemplo mais ilustrativo é o de Duarte Saraiva. Segundo Gonsalves de Mello, Saraiva era natural de Amarante, em Portugal, e vira a luz do dia, pela primeira vez, em 1572.90 A evidência sugere que chegara ao Recife, vindo de Flandres, no princípio das guerras.91 Em 7 de outubro de 1605, Saraiva passou procuração para Balthasar van de Voorde, para que este pudesse lidar com um carregamento confiscado e levado para a cidade de Middelburg.92 Sobre Balthazar van de Voorde, as informações são dispersas.

Havia na cidade de Middelburg um mestre moedeiro (muntmeester) que, desde 1614, estava envolvido no comércio atlântico, mas faleceu entre 1633 e 1634.93 Havia também, na mesma cidade de Middelburg, outro Balthasar van de Voorde, comerciante, morador do Brasil e, posteriormente. Conselheiro Político na Nova Holanda.94 Entretanto, não foi possível localizar qual dos dois recebera a procuração e se havia uma relação entre ambos. O documento

88. “Payment agreement between Afonso Fidalgo and Manuel Lopes Homem”, 16 de setembro de 1604. In: Studia Rosenthaliana, volume III, 1969, p. 124.

89. Livro 2° do Governo do Brasil, doc. 51, p. 149.

90. José Antônio Gonsalves de Mello, Gente da nação: cristãos novos e judeus em Pernambuco, 1542 – 1654. Recife: FUNDAJ, Ed. Massanganda, 1996. Citação, p. 416.

91. “Depoimento do Padre Manoel Dias” de 21 de novembro de 1636. Arquivo Nacional Torre do Tombo, PT/TT/TSO-IL/030/0220, folio 402v. Nessa mesma data há vários depoimentos.

92. “Power of attorney granted by Duarte Saraiva to Pieter, Marcus and Matheus de la Palma and Balthasar van de Voorde to handle his affairs in Middelburg”. In Studia Rosenthaliana, volume III, 1969, p. 246.

93. J. Israel, Dutch Primacy in World Trade 1585 – 1740. Oxford: Claredon Press, 1989, p.

109. Ressalta-se que não se localizou no Arquivo Nacional em Haia a fonte mencionada por Jonathan Israel

94. Esther Mijers, “A natural partnership? Scotland and Zeeland in the early seventeenth century”. In Macinnes, Alan I. & Williamson, Arthur H. (eds), Shaping the Stuart World, 1603-1714: the Atlantic connecion. Leiden/Boston: Brill, 2006, pp. 233 – 260. Para a

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notarial aqui em destaque se refere a Van de Voorde como comerciante em Middelburg. Duarte Saraiva conhecia também Henrick ou Hendrick Hamel, pois, em 18 de outubro de 1635, apresentaram juntos uma petição à Câmara de Amsterdam contra problemas com caixas de açúcar embarcadas no navio Den Connick van Sweden.95 Hamel iria para o Brasil como conselheiro político, em 1636. Outros exemplos são Christoffel Eijersckittel ou Ayerschettel que chegou a ser sócio proprietário de um engenho no Brasil junto com Manoel Carvalho, seu filho Isaac, Pedro Álvares Madeiro e Diego Fernandes; e Symon van der Does, posteriormente diretor da Câmara de Amsterdam da WIC.96

Havia entre neerlandeses e lusitanos todo tipo de interação. Trataremos primeiro de interações sociais, em seguida das interações econômicas e, por fim, das jurídicas.

1.3 Interações sociais

Seja nas Províncias Unidas, seja em Portugal, o casamento multicultural era uma realidade. A título de ilustração, daremos aqui somente dois exemplos, o de Cornelis Snellinck e Leonora da Vega, ambos nascidos na Antuérpia, sendo ela portuguesa. Em seus testamentos, deixam claro que queriam um enterro cristão; o mesmo desejo expressou o comerciante holandês Guilherme Campener, casado com D. Francisca de Lima, em Viana do Castelo.97 Na América Portuguesa, sabemos que Duarte Osquier, aliás Evert Hulscher e

citação, p. 256. Para Van de Voorde como conselheiro político, ver NL-HaNa_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 54, doc. 22, 3-03-1639.

95. NL-HaNa_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 14, 18-10-1635, fólio 80v.

96. Jessica Vance Roitman, The same but different? Inter-cultural trade and the Sephardim, 1595 – 1640. Leiden/Boston: Brill, 2011, p. 124. Symon van der Does era escabino (schepen) na cidade de Amsterdam. Christoffel Ayerschettel pediu licença para ir ao Brasil em 11 de outubro de 1635, como homem livre. NL-HaNa_OWIC 1.05.01.01, inv. nr. 14, 11-10-1635, fol. 76v.

97. SR 29(2), 1995, 9. 218. Cabe ressaltar que Cornelis Snellinck foi um dos flamengos mais ativos no comércio com portugueses, serfaditas ou não. Falaremos dele no capítulo sobre a economia. Para Guilherme Campener, cf. Maria de Fátima M. Dias A. dos Reis, “Um livro de “visitas” a naus estrangeiras. Exemplo de Viana do Castelo (1635 – 1651)”. In: Inquisição Anais do 1° Congresso Luso-Brasileiro sobre a Inquisição. Lisboa:

Universitária Editora, 1989, vol. 2, pp. 707 – 742. Para a citação, p. 733. Essa autora conclui que a maioria dos passageiros registrados nas embarcações visitadas entre 1635 e 1651 era de estrangeiros. Maria de Fátima dos Reis, “Um livro de “visitias” a naus”, p.

734.

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Gaspar de Mere eram casados com portuguesas.98 Em Portugal, a situação não era diferente. O prateiro Manoel Pires era meio flamengo, portanto, um de seus ascendentes era flamengo, e sua filha Paula Sequeira, ao se confessar ao Santo Ofício na Bahia, admitiu ter sangue flamengo por parte de pai.99 Já no ano de 1620, um flamengo anônimo obteve licença para se casar com uma portuguesa não nomeada.100 Numa consulta aos “Sumários de Casamento”

presentes na Torre do Tombo, encontramos que João Boya, natural da Vila de Itzehoe [sic], na Província de Holstein, na Alemanha Baixa, pediu para casar com Joana Pinta.101 O último exemplo é o de João Vandunen, de Hamburgo, e Izabel Freire. Os familiares de Vandunen tentaram obstar o casamento fundamentando o impedimento na “condição inferior da noiva”.

João Vandunen, então, “deflorou” Izabel e, para que esta “não ficasse mal afamada”, o casamento foi realizado. Na fonte consultada, não há referência à religião de João Vandunen.102 Além do casamento, havia relacionamentos ilícios, como o de Susanna Cornelisdr e Andries Henriques, o qual partiu para Portugal, deixando Susanna grávida.103

98. Para Gaspar de Mere ver “Carta de João Fernandes Vieira para o rei D. João IV” de 6 de março de 1652, APUD, Virgínia Rau e M. F. Gomes da Silva, Os manuscritos do Arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil. vol. 1. Coimbra: Por Ordem da Universidade, 1955, p. 108.

99. Primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça. Confissões da Bahia 1591 – 92. Prefácio de Capistrano de Abreu. São Paulo:

Prado, 1922. Para a citação, p. 60.

100. “Sobre o matrimônio do flamengo”, de 21 de setembro de 1620, Porto. Arquivo Nacional Torre do Tombo, Armário Jesuítico, livro 14, fols. 124 - 125.

101. PT/TT/CEL/002/599, 198 João Vandunen 1632-05-28/1632-06-21. Arquivo Nacional Torre do Tombo, Câmara Eclesiástica de Lisboa, Sumários Matrimoniais, maço 599, documento 198. João Vandunen e Izabel Freire receberam licença em 20 de janeiro de 1630. Na citação, procurou-se reproduzir o texto da época, ainda que informal. Ressalta-se que no fundo “Câmara Eclesiástica de Lisboa” encontram-se diversos processos de dispensas matrinoniais ao longo dos séculos, totalizando cerca de 70 inventários. Os mesmos ainda não receberam tratamento arquivístico, sendo desconhecido qual inventário equivaleria ao século dezessete e por isso, não foram consultados para este trabalho.

102. PT/TT/CEL/002/599, 198 João Vandunen 1632-05-28/1632-06-21. Arquivo Nacional Torre do Tombo, Câmara Eclesiástica de Lisboa, Sumários Matrimoniais, maço 599, documento 198.

103. SR, 1996, p. 306.

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Antes de 1630, havia aproximação social entre neerlandeses, e antes de 1572, flamengos, e portugueses. Além disso, essas nacionalidades estavam envolvidas em interações econômicas.

1.4 Interações econômicas

Este subcapítulo trata das relações econômicas entre portugueses e neerlandeses, no início do século dezessete. Recentemente, Christopher Ebert analisou o comércio entre o Brasil e as Províncias Unidas, entre 1587 e 1621, concluindo que, embora os neerlandeses estivessem envolvidos no comércio do Brasil, sua participação foi exagerada, tanto por atores históricos, quanto por historiadores.104 Quem atuava nesse comércio? Os exemplos são muitos e elencá-los todos foge ao escopo desse trabalho.

Sabemos que, em 1603, Manuel Rodrigues Vega, mercador judeu português, em Amsterdam, tinha por feitor, na Bahia de Todos os Santos, Diego Dias Querido e fazia muitos negócios com Marten Papenbroeck, como, por exemplo, um carregamento de facas enviado pelo último.105 Pouco sabemos sobre Dias Querido, porém, Koen nos informa que nascera no Porto e que a evidência indica que tenha ido para o Brasil, por volta de 1591 e que, em 1604, fixara-se em Amsterdam.106 Em 1610, Querido estava em Amsterdam, pois assina, juntamente com outros portugueses, um contrato de fornecimento de carne, sendo o gado abatido conforme os rituais judaicos.107 Ademais, vários neerlandeses já estavam envolvidos em negócios na América

104. Christoffer Ebert, “Dutch Trade with Brazil before the Dutch West India Company, 1587 – 1621”. In: Johannes Postma e Victor Enthoven (eds), Riches from Atlantic commerce: Dutch transatlantic trade and shipping, 1585 – 1871. Leiden: Brill, 2003, pp.

49 – 75. Para a citação, p. 70.

105. “Notice served by Manuel Rodrigues Vega on Marten Papenbroeck concerning goods sent to Diego Dias Querido in Bahia de Todos os Santos”, 30 de julho de 1603. In:

Studia Rosenthaliana, volume II, 1968, p. 271.

106. E. M. Koen, “Notarial recods relating to the Portuguese Jews in Amsterdam up to 1639”. In: Studia Rosenthaliana, volume VI, 1972, 115, nota 51. Frei Vicente do Salvador menciona Diogo Dias Querido, mercador, que emprestara a quantia de trinta mil Cruzados ao governador Diogo Botelho. Cf. Frei Vicente do Salvador, História do Brasil, p. 148. Diogo Botelho foi governador geral do Brasil entre 1602 e 1608. Não se localizou evidência que comprovasse ou refutasse uma ligação entre eles.

107. “Contract for the supply of ritually slaughtered meat”. In: Studia Rosenthaliana, 1971, v. V, p. 222.

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