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The New Testament miracles: a corrective study for application in the Brazilian Reformed Calvinist churches

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Academic year: 2021

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The New Testament miracles: A corrective

study for application in the Brazilian

Reformed Calvinist churches

C Marques

orcid.org 0000-0002-2610-687X

Dissertation accepted in fulfilment of the requirements for the

degree

Master of Theology

in

Dogmatics

at the

North West University

Supervisor:

Dr Marilda A de Oliveira

Co-supervisor: Dr Stefan Kürle

Graduation ceremony: May 2020

Student number: 29928354

(2)

AGRADECIMENTOS

Ao Deus Pai que se revelou com mão poderosa sinais e prodígios a Israel, ao Deus Filho que se revelou com autoridade sobre todas as coisas e ao Deus Espírito que nos tem ensinado a guardar a Palavra revelada.

À NWU pela bolsa de estudo e pela oportunidade que me proporcionou de fazer esse trabalho.

Aos meus orientadores Dra Marilda A de Oliveira e Dr Stefan Kürle por tanta dedicação e empenho.

À minha esposa Fernanda Pelegrini e minhas filhas Rebeca e Lavínia por muitas vezes em que precisei de silêncio.

(3)

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a todos aqueles que pregam o Evangelho genuíno no Brasil. A todos os irmãos que confiam que a Bíblia é suficiente e que não comprometem os seus valores por nenhum benefício transitório.

(4)

RESUMO

Aquilo que não pode ser conhecido pelas leis naturais ou foge ao comum é chamado de sobrenatural ou extraordinário. Esses elementos sempre foram reivindicados à história do ser humano e fazem parte da sua formação social, seja pela religiosidade ou não. Dentro da religião judaico-cristã, o milagre exerce um papel fundamental na construção daquilo que veio a ser denominado como teologia cristã, bem como a doutrina do milagre. Berkhof (1990:176) afirma que “Foi mediante milagre que Deus nos deu a Sua revelação especial e verbal na Escritura, bem como a Sua revelação suprema e fatual em Jesus Cristo”. De acordo com Calvino (2006:423), os milagres tiveram seu tempo, mas cessaram após o estabelecimento da revelação bíblica. No entanto, sua continuidade ainda é fortemente ensinada no contexto pentecostal e neopentecostal brasileiros.

Mariano (2004) demonstra que o Pentecostalismo e o Neopentecostalismo brasileiros no séc. XX alcançaram um elevado nível de crescimento, tendo a mídia como sua principal ferramenta de expansão e a promessa do milagre como atrativo.

Portanto, o presente trabalho visa examinar o ensino teológico de atos milagrosos registrados no Novo Testamento em paralelo ao conceito do milagre na teologia reformada, pentecostal e neopentecostal brasileira. Por fim, será verificada a coerência desse ensino com o Novo Testamento e como tem sido a sua aplicação no contexto da igreja evangélica brasileira. Assim será possível propor um ensino da doutrina do milagre coerente com as Escrituras para a igreja reformada calvinista brasileira.

Palavras-chave: Milagres; Novo Testamento; Pentecostalismo Brasileiro; Igreja

(5)

ABSTRACT

What cannot be explained by natural laws or considered unusual is called supernatural or extraordinary. These elements were always related to the human history and became part of mankind social formation, whether religious or not. Within the Judeo-Christian religion, miracles play a fundamental role in building up what has become the Christian theology and the miracle doctrine. Berkhof (1990: 176) states that, "God gave us His special revelation through miracles and the verbal one in the Scriptures, as well as His supreme and tangible one in Jesus Christ". According to Calvino (2006: 423) miracles had their time, but ceased after the establishment of the biblical revelation. However, in the Pentecostal and Neo-Pentecostal contexts miracles are taught and maintained.

Mariano (2004) shows that Brazilian Pentecostalism and Neo-Pentecostalism reached a high growth in the 20th century, using the media as their main tool to spread and the promise of a miracle as an attraction.

Therefore, this work aims to examine the theological teaching of miraculous acts in the New Testament together with the concept of miracle in the Reformed, Brazilian Pentecostal and Neo-Pentecostal theologies. Finally, the coherence of this teaching with the New Testament and the manner in which it has been applied in the Brazilian Evangelical Church will be verified. This way it will be possible to propose a teaching of the doctrine of the miracle consistent with the Scriptures for the Brazilian Calvinist Reformed Church.

Key words: Miracles, New Testament, Brazilian Pentecostalism, Brazilian Calvinist Church.

(6)

CONTEÚDO

AGRADECIMENTOS.

...i

DEDICATÓRIA...ii RESUMO...iii ABSTRACT...iv

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO ... 1

1.1. Contexto e Afirmação Problemática ... 1

1.1.1. Contexto ... 1

1.1.2. Afirmação Problemática ... 1

1.3. Estudo Bibliográfico Preliminar ... 2

1.4. O Alvo e os Objetivos ... 3

1.4.1. Alvo...... 3

1.4.2. Objetivos ... 3

1.5. O Argumento Teorético Central ... 4

1.6. Metodologia ... 4

1.7. Introdução ... 4

1.8. Considerações Éticas ... 4

1.9. Classificação Provisória dos Capítulos ... 5

CAPÍTULO 2: DEFINIÇÃO E O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

RELIGIOSO DA DOUTRINA DO MILAGRE ... 6

(7)

2.1.1. Os egípcios ... 11

2.1.2. Os judeus ... 13

2.1.3. Os gregos ... 16

2.1.4. O hinduísmo ... 17

2.1.5. O Budismo ... 17

2.1.6. Os cristãos do primeiro século ... 18

2.1.7. O Espiritismo ... 21

2.1.8. A ciência ... 23

2.1.9. A cultura indígena brasileira ... 24

2.2. O milagre na pós-modernidade ... 25

CAPÍTULO 3: O PROPÓSITO DO MILAGRE NO NOVO

TESTAMENTO ... 28

3.1. Os milagres no ministério de Jesus Cristo ... 32

3.2. Os milagres dos apóstolos ... 40

3.3. O milagre da ressurreição ... 44

CAPÍTULO 4: O PONTO DE VISTA REFORMADO SOBRE A

MANIFESTAÇÃO DOS MILAGRES ... 47

4.1. A teologia católica e a Reforma Protestante ... 47

4.2. A tradição reformada no mundo moderno ... 51

(8)

4.4. Milagre e providência ... 56

4.5. A possibilidade do milagre, expressão do senhorio de Deus ... 59

4.6. A teologia reformada e os milagres hoje ... 61

CAPÍTULO 5: UMA AVALIAÇÃO DOS MILAGRES DIVULGADOS

NAS DENOMINAÇÕES PENTECOSTAIS E

NEOPENTECOSTAIS BRASILEIRA ... 66

5.1. Da chegada do protestantismo ao pentecostalismo ... 66

5.2. O milagre do crescimento pentecostal brasileiro ... 71

5.3. Do pentecostalismo ao neopentecostalismo ... 73

5.4. Milagres na TV ... 77

5.5. Os milagres no pentecostalismo e a herança sincretista brasileira ... 79

CAPÍTULO 6: UMA PROPOSTA DE ENSINO DA DOUTRINA DO

MILAGRE COERENTE COM AS ESCRITURAS PARA A

IGREJA REFORMADA CALVINISTA BRASILEIRA ... 86

6.1. O desafio de pregar sobre os milagres no século XXI... 86

6.2. O papel do Espírito Santo no ensino da Palavra ... 88

6.3. Extraindo a mensagem através da exegese bíblica ... 90

6.3.1. Contexto cultural ... 95

6.3.2. O contexto histórico geral ... 95

6.3.3. Contexto literário ... 95

(9)

6.3.5. Contexto histórico particular ... 98

6.3.6. Comentários bíblicos ... 99

6.4. Pregação expositiva ... 99

6.5. Aplicação correta ... 100

CAPÍTULO 7: SUMÁRIO E CONCLUSÃO ... 103

(10)

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

1.1. Contexto e Afirmação Problemática 1.1.1. Contexto

Há consenso entre os teólogos sobre a importância do milagre na construção da fé cristã. Grudem (2009:567) diz que “um dos propósitos dos milagres é certamente autenticar a mensagem do evangelho”. Para Geisler (2010:39) “a teologia evangélica está edificada sobre o sobrenatural”. Desde os primeiros sinais relatados no Êxodo e mais tarde a concepção misteriosa de Cristo, seus atos prodigiosos e ressurreição contribuíram para que a fé judaico-cristã tivesse forte ênfase no extraordinário, ou seja, naquilo que foge ao comum. No entanto, os milagres não estão destituídos de significado, eles revelam as grandezas de Deus. “Os milagres não são eventos extraordinários que acontecem por acaso e sem alvo. Eles têm um propósito teológico que é apoiar e confirmar a verdade das proposições reveladas sobre Deus e sua obra de salvação” (Myatt & Ferreira, 2002:28).

Dessa forma, o presente trabalho que tem perspectiva teológica reformada, procurou expor o propósito dos milagres no Novo Testamento em comparação com os milagres propagados no contexto da igreja evangélica brasileira atual.

1.1.2. Afirmação Problemática

O crescimento do evangelicalismo brasileiro em muito se deve à propaganda do milagre nos meios de comunicação, vistos a qualquer hora do dia ou da noite em vários canais da TV aberta ou fechada. Um grande exemplo da expansão neopentecostal no Brasil é a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada por Edir Bezerra Macedo em 1977.

Diferentemente das igrejas cujos programas enfatizam a difusão do ensino doutrinário, ou transmitem preponderantemente sermões ou preleções teológicas, a [igreja] Universal destaca o poder

(11)

transformador de Deus na vida dos homens, exibindo testemunhos propagandísticos de curas, milagres, intervenções e bênçãos divinas de toda espécie (Mariano, 2004).

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2010) revelou que a igreja evangélica brasileira cresceu no país nos últimos anos enquanto o número de católicos entrou em declínio. De acordo com Ritto (2012), nos últimos quarenta anos o número de evangélicos saltou de 5,2% para 22,2% e em trinta anos católicos e evangélicos estarão empatados em número na população brasileira. Esse número foi acrescido pelas igrejas pentecostais e neopentecostais que dão grande ênfase aos atos extraordinários e miraculosos como algo ordinário, resultado apenas de um ato de fé. Sendo assim, faz-se necessário um exame pormenorizado que relacione os atos miraculosos do Novo Testamento com o influente ensino do milagre na igreja evangélica brasileira atual. Por isso é importante responder à seguinte pergunta: Como abordar os milagres do Novo

Testamento para que contribua para um crescimento saudável das igrejas reformadas no contexto brasileiro? Para responder a essa pergunta é preciso,

antes, investigar a doutrina do milagre de maneira mais ampla.

a) Qual é a definição de milagre e seu desenvolvimento histórico religioso? b) Qual é o propósito dos milagres no Novo Testamento?

c) Qual é o ponto de vista da teologia reformada sobre a manifestação dos milagres?

d) Como avaliar os milagres amplamente divulgados nas denominações pentecostais e neopentecostais brasileiras?

e) Como abordar escrituralmente os milagres de modo a contribuir para um ensino coerente no contexto da igreja reformada brasileira?

1.3. Estudo Bibliográfico Preliminar

A fim de definir o milagre e os seus significados além da religião cristã foram selecionados os seguintes autores: Domezi (2013); Strong (2003); Funari et al

(12)

(2009); Geisler (2010); Humphreys (2004); Huxley (1977); Kardec (2013); Civita (1973); Ritto (2012).

Para falar sobre o propósito dos milagres no Novo Testamento foram selecionados: Agostinho (1994); De Lima (2006); O’Donovan (1999); Rienecker e Rogers (1995), Chantry, (1990), Sproul (2014).

Para expor o ponto de vista reformado sobre a manifestação dos milagres os seguintes autores serão considerados: Bavink (2012), Berkhof (1990), Calvino (1985). Para falar sobre os milagres amplamente divulgados nas denominações pentecostais e neopentecostais brasileiras foram escolhidos: Graham (2009), Grudem (2009), MacArthur (1992), Mariano (2004) e para falar sobre os milagres no contexto da igreja evangélica brasileira de modo a contribuir para um ensino coerente com as Escrituras foram selecionados: Frame (2013), Hodge (2001), Packer (2004) e Bruce (1990).

1.4. O Alvo e os Objetivos 1.4.1. Alvo

O alvo desse trabalho é fazer um estudo dos milagres no Novo Testamento para que seja aplicado com coerência, contribuindo assim para o crescimento saudável da igreja reformada no contexto brasileiro.

1.4.2. Objetivos

Os objetivos específicos do estudo são:

a) Analisar e apresentar a definição de milagre e o seu desenvolvimento histórico religioso.

b) Analisar e expor o propósito dos milagres realizados no Novo Testamento. c) Apresentar o ponto de vista da teologia reformada sobre a manifestação dos

milagres.

d) Avaliar os milagres amplamente divulgados nas denominações pentecostais e neopentecostais brasileiras.

(13)

e) Abordar os milagres a partir das Escrituras de modo a contribuir para um ensino coerente na igreja reformada brasileira.

1.5. O Argumento Teorético Central

O argumento teorético central desse estudo é que somente a partir de uma compreensão do ensinamento dos milagres no Novo Testamento será possível aplicá-lo de maneira coerente e contribuir para um crescimento saudável da igreja reformada brasileira.

1.6. Metodologia 1.7. Introdução

O estudo gramático-teológico será feito na perspectiva da tradição reformada. Para realização do trabalho, a seguinte metodologia foi usada:

a) Para apresentar a definição de milagre e o seu desenvolvimento histórico religioso, foi feita uma pesquisa na literatura secular e teológica.

b) Para expor o propósito dos milagres realizados no Novo Testamento uma pesquisa literária foi feita.

c) Para apresentar o ponto de vista da teologia reformada sobre a manifestação dos milagres foi feita uma análise literária.

d) Para falar sobre os milagres amplamente divulgados nas denominações pentecostais e neopentecostais brasileiras, foi feita uma pesquisa literária do assunto.

e) Para abordar os milagres nas Escrituras com o fim de aplicá-lo coerentemente na igreja reformada brasileira, os dados coletados foram analisados e métodos de estudo e aplicação bíblico-teológico foram propostos.

(14)

O estudo está comprometido com os requerimentos éticos do Departamento de Educação e da North-West University, no que se refere às fontes bibliográficas. Não há risco quanto ao que se refere às implicações éticas.

1.9. Classificação Provisória dos Capítulos

a) CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO

b) CAPÍTULO II - DEFINIÇÃO E O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO RELIGIOSO DA DOUTRINA DO MILAGRE

c) CAPÍTULO III - O PROPÓSITO DO MILAGRE NO NOVO TESTAMENTO d) CAPÍTULO IV - O PONTO DE VISTA REFORMADO SOBRE A

MANIFESTAÇÃO DOS MILAGRES

e) CAPÍTULO V - UMA AVALIAÇÃO DOS MILAGRES DIVULGADOS NAS DENOMINAÇÕES PENTECOSTAIS E NEOPENTECOSTAIS BRASILEIRAS f) CAPÍTULO VI - UMA PROPOSTA DE ENSINO DA DOUTRINA DO MILAGRE

COERENTE COM AS ESCRITURAS PARA A IGREJA REFORMADA CALVINISTA BRASILEIRA

(15)

CAPÍTULO 2: DEFINIÇÃO E O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

RELIGIOSO DA DOUTRINA DO MILAGRE

Nas suas experiências religiosas desde os primórdios, o ser humano se encantou com o sobrenatural e ainda hoje luta para compreender os acontecimentos que fogem à ordem natural. É possível que, em algum lugar no passado, quando o cometa Halley foi visto pela primeira vez, tenha sido considerado algo sobrenatural, pavoroso, um milagre. Algum povoado isolado pode ter entendido como sendo obra dos deuses o surgimento de uma ilha no meio do oceano, resultante de um vulcão. A Aurora Boreal no hemisfério Norte, sem a explicação cientifica é confundida com um fenômeno extraordinário de alguma divindade. Wilkinson (2001:96) diz que esse fenômeno para o povo Koyukon, do Alasca Central, é interpretado como a garantia de uma boa caça, pois “os Homens das Luzes Polares estão atirando flechas pelo céu ao mesmo tempo em que os espíritos dos mortos dançam”.

Geisler (2010:39) afirma que qualquer evento natural que não tivesse explicação imediata poderia ter sido visto como milagre em alguma época da história. Com isso, muitos fatos que foram considerados como sobrenaturais no passado foram desvendados como fatos naturais, conforme a ciência foi avançando e o ser humano ampliando os seus conhecimentos. Mesmo assim, nem todos os mistérios foram desvendados e a sociedade moderna ainda continua crendo nas coisas sobrenaturais, sobretudo no milagre.

A palavra milagre é um termo muito popular no vocabulário brasileiro, é uma herança religiosa. Sobre qualquer acontecimento trivial é possível ouvir uma sonora exclamação: “Foi um milagre!”. O fato de o Brasil ser o maior país católico do mundo segundo o Annuarium Statisticum Ecclesiae do Vaticano 2018, o país passou ainda por um processo de pentecostalização na segunda metade do século XX em que foi dada grande ênfase nos atos de milagres. Mariano (2004), ao falar da expansão pentecostal no Brasil, especificamente no caso da Igreja Universal do Reino de Deus, observou um fato importante; dá-se muita prioridade na exibição no rádio e na TV de testemunhos de fiéis sobre bênçãos e milagres, o

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que ele chamou de “soluções mágico religiosas, de cunho terapêutico e taumatúrgico”. Sproul (2014:177) completa dizendo que a expectativa de se receber um milagre atualmente é tão grande que as livrarias vendem cartazes que adornam gabinetes pastorais com a seguinte promessa: “Espere um milagre!”.

É importante lembrar que isso faz parte de um processo histórico, não só no que se refere ao desenvolvimento da doutrina do milagre, mas também da sua própria definição.

Milagre pode ser considerado apenas como “um acontecimento que não se explica por causas naturais, atribuído à ação de um poder divino”, Milagre (Anon., 1995:68). Essa definição obviamente é descomprometida de qualquer confissão de fé, simplesmente define o termo por ele fazer parte da história humana. A definição secular não se ocupa da apologética, como faz a teologia cristã porque não tem a função de dizer se está certo ou errado. Por outro lado, a teologia cristã entende o milagre somente com um propósito religioso, impossível de ser explicado senão pela ação de Deus (Strong, 2003:183-184). A diferença é que a definição secular se estende a qualquer poder considerado divino enquanto a definição cristã de milagre se restringe ao Deus da Bíblia. Segundo o Dicionário Bíblico Strong (2002:1801), uma das palavras no Novo Testamento que define milagre é σημειον (semeion), “sinal, marca, símbolo [...] pelos quais Deus confirma as pessoas enviadas por ele, ou pelos quais homens provam que a causa que eles estão pleiteando é de Deus”.

No registro secular mais antigo, milagre ou τέρας aparece na literatura desde Homero (Brown & Coenen, 2000:1293). Teve o significado ligado aos sinais da parte dos deuses e aos presságios que precisavam ser interpretados pelos videntes, vinculando-o às mais antigas religiões populares de que se têm notícias.

O conceito do milagre, portanto, não é novo e nem cristão, é fruto da religião, um dos fenômenos mais antigo e enigmático da humanidade, seja no politeísmo grego ou no monoteísmo judaico. Mondin (2005:224) afirma que o ser humano é um religioso nato ou “homo religiosus”, o qual possui algo que não está presente

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em nenhum outro ser vivo. De todo o conhecimento que se tem registrado até hoje, a religiosidade está relacionada unicamente à criatura humana, somente ela pratica a religião.

Esse fenômeno religioso não depende da condição social ou intelectual do ser humano. É tão natural e próprio dele que Calvino (1985:59) diz que até mesmo os seres humanos mais distanciados da civilização não estão desprovidos do senso do sagrado, antes “retêm sempre certa semente da religião”. Isto significa haver uma inclinação natural que leva o ser humano a adorar e isso não se perdeu com o passar do tempo, é tão vivo hoje como foi no passado mais distante. O tempo provou não ser um mero fenômeno da ignorância humana suplantado com o tempo. “O fenômeno religioso está presente em todas as culturas, desde os primórdios da história até os dias atuais” (Faria, 2017:35). Não se pode afirmar que é obra dos incautos, pois pessoas de sabedoria inquestionável professaram e têm professado a sua crença religiosa.

Historicamente, diversos intelectuais da filosofia, teologia e sociologia ocuparam-se em discutir a questão da religião. Desde os filósofos antigos, Sócrates, Platão e Aristóteles até os modernos como Hegel, Feuerbach, Marx, Comte, Nietzsche, Hume, Freud e Kant por exemplo, a religião sempre foi tema relevante de suas discussões quer seja de maneira positiva ou negativa. Dentre os filófosos modernos, grande parte teceu duras críticas à religião. Bavinck (2012:255-256) destaca que, para Hegel, a religião era uma forma baixa de conhecimento, conveniente apenas aos desprovidos de conhecimento, ou, ignorância e ressentimento para Freud (Nicholi, 2005:52).

Feuerbach (2007:45) mudou o seu conceito do transcedente quando trocou a teologia pela filosofia por influência de Hegel. Ele afirma que a religião cristã passou a ser apenas o relacionamento do ser humano consigo mesmo, a essência divina tornou-se a percepção da essência humana. Esse pensamento contribuiu mais tarde para gerar a descrença na religião e os seus atributos transcendentes como Deus, fé e milagres. Quando Feuerbach fala da origem e do significado religioso do milagre bíblico, embora não descarte totalmente a

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possibilidade de ter havido um fenômeno físico ou fisiológico, ele não consegue esconder a sua racionalidade naturalista ao defini-lo. Ele julgou que o milagre não tem sentido para a razão e chega a ser impensado; “tão impensável como um ferro de madeira, um circulo sem periferia” (2007:145). É possível perceber que a sua opinião em relação ao milagre está ligada ao novo conceito que ele adquiriu da religião; milagre seria apenas o desejo sobrenaturalizado que o ser humano tem.

Influenciado por Feuerbach, Karl Marx (2010:145) fez uma das mais conhecidas críticas à religião, considerando-a como um elemento de ação analgésica, narcótica e hipnótica, o “ópio do povo”. Ele a acusou de ser uma invenção da sociedade capitalista e ainda disse que “a religião é o suspiro da criatura oprimida”. Marx acusava os mais fortes de se apropriarem da religião para oprimir os mais fracos, por isso ele a rejeitava tão tenazmente. Ele não consequia enxergar a religião como algo transcendente, mas como uma ferramenta política.

Não foi somente no campo filosófico que a religião foi desafiada. No século XIX, o século da crítica a todos os valores constituídos, a ciência desafiou a religião severamente. Um grande expoente dessa crítica foi o psicanalista Sigmund Freud, embora ele tenha crescido em um lar com forte expressão de fé judaica e exposto às práticas católicas na infância através de sua babá (Nicholi, 2005:23).

Um opositor ferrenho da religião como algo transcendente, Freud (1996:74) viu a religião como um ato de fraqueza e infantilidade do ser humano. Ele afirmou que “em termos biológicos, a religiosidade está relacionada com a prolongada impotência e necessidade de amparo da criança pequena,” o que ele chamou de complexo parental. Freud não atribuiu nenhum valor extraordinário à religião, apenas a reduziu a uma invenção humana para justificar a sua carência paternal. Uma olhada na biografia de críticos como Marx e Freud revela que, na verdade, esse desprezo pela fé, religião e, por fim, pelos milagres, tem muito a ver com as suas frustrações pessoais e decepções com o mundo de seus dias. No caso de Marx, por exemplo, Mondin (2005:227) afirma que “...os motivos que fizeram Karl Marx abraçar a causa do ateísmo, mais que argumentos de natureza filosófica e

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metafísica, foram de ordem histórica e social”. O mesmo pode-se afirmar de Freud e Feuerbach. Essa crítica intelectual em muito contribuiu para a posterior rejeição à religião favorecendo grandemente o ateísmo.

Por outro lado, a religião teve a sua defesa de maneira positiva feita por grandes pensadores, o que favoreceu a sua sobrevivência. Muito antes dos filósofos modernos, Agostinho de Hipona (354 d.C - 430 d.C) já havia definido a religião como sendo o único meio pelo qual o ser humano encontra o que mais almeja: “Só ela leva, de fato, à verdade e à felicidade” (Agostinho, 1994:22), ou seja, a religião proporciona a satisfação, o apaziguamento das questões internas do ser humano.

Esse sentimento de apego ao mistério está internalizado no ser humano, levando-o a uma resplevando-osta traduzida em religiãlevando-o. Da Mata (2010:126) levando-observa a dificuldade histórica de se definir o termo religião.

Originalmente não tem o sentido de religar deuses e homens como propôs os autores cristãos Lactâncio e Tertuliano. Antes, para Cícero

religio, viria de legere, “colher, congregar”. O sentido mais comum,

portanto, seria escrúpulo, ser religiosus para o romano, significava, antes de mais nada, manter este escrúpulo em relação ao culto, observar adequadamente os ritos.

Strong (2003:47) explica a religião como “relegere, “reexaminar”, “ponderar cuidadosamente”. Portanto, o seu sentido original é “observância reverente” (dos deveres para com os deuses)”. É dever primórdio, que tem movido o ser humano e tudo o que o circunda desde os primeiros tempos da civilização humana, levando-o a construir a sua cosmovisão. Mondin (2005:224) assegura que “é coisa mais que sabida que todas as culturas são profundamente marcadas pela religião e que as melhores produções artísticas e literárias, não só das civilizações antigas, mas também das modernas, se inspiram em motivos religiosos”.

(20)

Por ter dentro de si essa religiosidade intrínseca, o gênero humano sempre esteve inclinado à adoração, à reverência ao inexplicável, com isso criaram-se os seus próprios deuses para representar algo ou alguém para que através deles explicasse aquilo que foge ao natural. A doutrina do milagre nasceu e se desenvolveu no contexto religioso, vinculado à percepção de uma faceta da atividade de Deus (Aulén, 1965:92). Fora do contexto religioso, a doutrina do milagre não teria sobrevivido.

A formulação teológica judaico-cristã sobre o milagre parte primeiramente de seus escritos sagrados, a Bíblia e de um contexto religioso. No entanto, fica a pergunta: como as culturas sem influência judaico-cristã construíram uma fé baseada em milagres? Para responder essa pergunta é preciso buscá-la além do livro sagrado dos judeus e cristãos.

2.1. Do mito à religião

Na era pré-cristã, sem a influência do monoteísmo judaico, o extraordinário e todo fato inexplicável estavam ligados à ação dos deuses. Foi necessário dar sentido ou explicação aos acontecimentos extraordinários que cercavam os povos antigos. As civilizações mais antigas de que se tem conhecimento, como os egípcios, gregos e astecas, dentre outros, construíram através do mito os seus próprios conceitos sobre os fatores inexplicáveis que os circundavam. “O mito era uma forma de explicação para processos naturais que estavam sem resposta no pensamento egípcio, por exemplo a criação do mundo, da raça humana e o pós-morte” (Funari et al., 2009:14). A religião, por sua vez, consolidou-se através do aspecto ético, isto é, por implementar valores a serem seguidos, não requeridos no mito.

2.1.1. Os egípcios

A civilização egípcia, como ninguém, representou e preservou a importância do transcendente para preservar a vida em sociedade. O contexto e as experiências levaram os egípcios a construírem o conceito de mundo físico e espiritual. Tudo

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estava ligado às forças superiores, e divindades, das quais o sol era a maior delas. De acordo com Funari et al. (2009:13), era misteriosa a vida em um deserto fertilizado por um rio que não tinha afluentes e nem recebia chuvas e, no céu azul, estava o sol que nascia e morria todos os dias sem explicação. Criou-se, portanto, a necessidade de reverenciar estes e outros fenômenos que, para eles, eram inexplicáveis e sobrenaturais. O milagre para os egípcios nasceu da necessidade de dar sentido, de explicar o mistério e os acontecimentos grandiosos.

Muito presentes nos cultos religiosos egípcios estavam a magia e o encantamento, não só com um fim religioso mas também terapêutico social. Curandeiros e magos prescreviam fórmulas mágicas para tratar das moléstias dos pobres e dos ricos. Em busca daquilo que estava além do alcance humano, os deuses e a magia eram procurados para solucionar as questões pessoais desde a cura de uma enfermidade até as questões amorosas. Até mesmo pela necessidade de legitimar a figura divina do faraó, provedor do povo, a magia era requerida. Funari et al. (2009:22-23) observa que “a relação entre deuses e homens na questão popular torna-se mais clara, uma vez que a magia, ao que tudo indica, pretende conceder desejos, necessidades e oferecer solução para os diversos dilemas e desafios da vida”.

De alguma forma, toda a população se deparava e se espantava com o inexplicável. Se para o povo, faraó era um deus, para faraó, Rá, o sol, era um deus e para cada nova questão inexplicável foi criado mais um deus, mais um mito. A concepção e a ação dos deuses egípcios estavam sempre envoltas em atos poderosos e mágicos. “Assim, os deuses Atum (ou Rá, o deus Sol), Shu, Tefnut, Geb, Nut, Osíris, Ísis, Seth e Néftis formaram a enéada de Heliópolis” (Funari et al., 2009:17). Constituiu-se assim a sociedade egípcia com a religião e os seus mistérios.

O Êxodo, uma narrativa bíblica da saída do povo hebreu do Egito, é um registro histórico em que é possível ver que a magia já estava bem estabelecida na civilização egípcia. Quando Moisés operou sinais diante de Faraó na expectativa

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de que ele libertasse os hebreus, Faraó mandou que viessem à sua presença, sábios, encantadores e magos para mostrarem também o seus poderes (Êxodo 7:11). O texto registra também, que “os magos do Egito fizeram também o mesmo com as suas ciências ocultas...” (Êxodo 7:22). A princípio, os sinais de Moisés não foram considerados tão extraordinários aos olhos de Faraó, porque os magos e encantadores também realizavam as mesmas coisas. A ampliação dos sinais realizados por Moisés tinha o objetivo de demonstrar a grandeza de Deus sobre as divindades egípcias. A intenção era demonstrar que, enquanto os magos reproduziam algumas pragas pelas ciências ocultas, Moisés operava milagres. VanGemeren (2011:735) faz a seguinte observação em relação aos magos de Faraó: “Quanto às pragas subsequentes (das moscas, peste nos animais, das úlceras, do granizo, dos gafanhotos, das trevas, morte dos primogênitos), eles não tentaram copiar e foram impotentes para impedi-las ou revertê-las...”. No Êxodo fica estabelecida uma diferença entre a magia egípcia e os milagres do Deus dos hebreus.

2.1.2. Os judeus

Nos textos sagrados milenares do judaísmo, a Bíblia Judaica, desde cedo, o milagre era visto como algo que só Deus poderia fazer. Em Gênesis, Deus é visto como aquele que tem todo o poder para realizar coisas incomuns, como criar algo a partir do nada, “No princípio, criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia...” (Gênesis 1:1-1). Kidner (1979:41) afirma que “Deus exerce a função de sujeito da primeira sentença da Bíblia”, ou seja, Ele é aquele que faz algo que ninguém pode fazer. Mas, no relato do Êxodo, na libertação do povo hebreu do Egito o milagre fica mais evidente, ganha definição e a crença judaica se desenvolve, pois ali o milagre foi uma experiência vivida pelo povo. Moisés, até então um homem comum que se ocupava do pastoreio de ovelhas, projetou-se como uma das mais importantes figuras para os hebreus, devido aos seus feitos extraordinários como profeta credenciado por Deus. Foi através dele que o povo hebreu presenciou o sinal (oth), a maravilha (mopheth) e o poder (koak) como definições da ação milagrosa de Deus no Velho Testamento.

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No livro do Êxodo (3:12), quando Deus chamou Moisés, Ele prometeu: “Certamente eu serei contigo; e isto te será por sinal que eu te enviei...”, ou seja, a ideia é que Moisés estava sob a autorização divina, ele tinha a posse de um sinal que expunha e legitimava os seus atos. Esse sinal foi dado justamente para contrastar com os atos dos opositores que Moisés enfrentaria no Egito. As tentativas dos magos, encantadores e feiticeiros egípcios de manipular o sobrenatural eram consideradas fracas e incapazes de se equipararem à perfeição dos atos de Deus. O povo hebreu deveria confiar, então, que o Deus apresentado por Moisés, o Deus de seus pais, era mais poderoso do que os outros deuses pagãos (Brown & Coenen, 2000:1288).

Paralelamente aos sinais, também se registra no Velho Testamento a palavra maravilha (mopheth), significando um aspecto especial que causa espanto: “Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas” (Êxodo 7:3). A magia egípcia não se sustentaria muito tempo, “os mágicos egípcios tinham o poder de realizarem milagres mediante suas artes mágicas secretas, mas estes são inferiores aos milagres de Javé” (Brown & Coenen, 2000:1288).

A palavra poder (koak) expressa a ação criadora de Deus como algo espantoso conforme registra Jeremias (10:12): “O SENHOR fez a terra pelo seu poder; estabeleceu o mundo por sua sabedoria e com sua inteligência estendeu os céus”. É o poder divino que contrasta com a impotência dos falsos deuses e até mesmo com a fraqueza humana. Sinal, maravilha e poder são palavras relacionadas à ação extraordinária do Deus de Israel tanto para a sua auto revelação quanto para a realização de seus propósitos.

Com a saída dos hebreus do Egito rumo à Canaã, estava certo que tinham sido libertos por Deus com poder, sinais e maravilhas. Mesmo assim, a continuidade do contato com as práticas mágicas seria inevitável, visto que tais práticas não estavam restritas ao Egito, mas presentes também nas civilizações antigas com às quais os hebreus teriam relacionamento. Os milagres do êxodo não deveriam ser minimizados pela iminência da magia dos povos que os hebreus encontrariam

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pela frente. Para que o povo não incorresse no risco de absorver a magia pagã em detrimento do milagre, na lei de Moisés a magia e a feitiçaria foram expressamente proibidas como se vê em Deuteronômio 18:10-12:

Não se achará entre ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao

SENHOR; e por estas abominações o SENHOR, teu Deus, os lança de

diante de ti.

Outro momento significativo da construção judaica da fé em milagres encontra-se no período dos profetas Elias e Eliseu. 1 Reis 17:22 registra o caso da ressurreição de uma criança pela oração de Elias, “o SENHOR atendeu à voz de

Elias; e a alma do menino tornou a entrar nele, e reviveu”. No ministério de Eliseu, há também um caso da multiplicação milagrosa do azeite de uma viúva pobre (2 Reis 4:6). Esses eventos fizeram parte da revelação da pessoa e do poder do único Deus reconhecido pelos judeus e também autenticaram o ministério dos profetas à semelhança do que ocorreu com Moisés. Brown e Coenen (2000:1288) destacam que esse período foi importante porque marcou a luta dos profetas contra o paganismo de Canaã.

Na teologia judaica, portanto, ficou estabelecido com tudo isso que havia somente um Deus e somente Ele poderia realizar milagres. Todos os outros deuses eram falsos e os atos sobrenaturais eram magia e feitiçaria as quais esse Deus condenava. Embora os judeus tivessem experimentado fraquezas na área espiritual que os levou ao afastamento de Deus e consequentemente ao cativeiro babilônico, Da Costa (1992:13) afirma que “o cativeiro definitivamente deixou uma lição espiritual ao povo culminando no monoteísmo”. O judaísmo que nasceu a partir do segundo templo, após o cativeiro babilônico, não admitia a possibilidade da idolatria e isso reforçou ainda mais a fé em um só Deus poderoso, diferente do politeísmo prevalecente nos povos ao redor.

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2.1.3. Os gregos

Na mitologia grega, os deuses eram dotados de poderes sobre-humanos e se valiam deles para agraciar ou punir alguém. Ainda que as divindades primordiais gregas estejam mais relacionadas com o mito que com a religião, ou seja, não foram criadas para serem adoradas a princípio, algumas eram reverenciadas por realizarem milagres em favor do ser humano. Em Patras, terceira maior cidade da Grécia, Gaia, deusa grega da Terra, ou a mãe-terra era considerada capaz de curar todas as doenças (Civita, 1973:20). Posteriormente, os deuses do panteão grego, responsáveis pelas doenças e pelas curas passaram a ser temidos e reverenciados (1973:312). Esculápio, ou Asclépio em grego, era o deus da medicina e da cura. Para poder prescrever a cura, os sacerdotes precisavam saber a causa da doença, por isso dormiam no templo de Asclépio, a fim de que, em um sonho, fosse-lhes revelado a causa da doença (Huxley, 1977:123-124). Isso era algo em que se acreditava e era praticado na sociedade grega antiga. Embora não se adore mais o deus da medicina nos tempos modernos, o seu símbolo, um bastão com uma serpente enrolada ainda permanece em todo o mundo como testemunho de sua memória no mundo moderno.

Esses poderes, punições e magias estavam, portanto, relacionados mais à vida e à história dos deuses gregos que dos seres humanos. Para Brown e Coenen (2000:1227), a magia outrora abundante na mitologia grega, foi suprimida pelo aumento do conhecimento e pelo progresso da civilização. Sem a posição de religião e sem receber a manutenção ritualística, a mitologia grega envolta no sobrenatural e magia foi substituída pelos cultos e ritos sincretistas com a ascensão do império Romano. Domezi (2013:37) afirma ainda que “isso foi favorecido não apenas pela difusão dos cultos orientais e das religiões dos mistérios, mas também pelo sincretismo religioso que daí resultou, ocorrido especialmente em Alexandria”. Ou seja, muitos deuses e religiões sumiram, mas não a sua essência. As suas práticas foram absorvidas e ampliadas por outras de modo que o mistério e o anseio pelo sobrenatural foram preservados de alguma forma. Embora o judaísmo tenha se esforçado para preservar a fé monoteísta judaica, o helenismo ajudou a semear uma fé nos milagres no mundo oriental

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através do surgimento de personagens não judeus, por exemplo, “taumaturgos como Apolônio de Tiana” (Anon., 1995:7639), o que mais tarde favoreceria o cristianismo.

2.1.4. O hinduísmo

Na religião hindu, a principal religião da Índia surgida cerca de 3.000 anos antes de Cristo, encontra-se o mais antigo testemunho da cultura religiosa indiana (Domezi, 2013:87). No Rig-veda, coleção de hinos consagrados aos deuses hindus, cerca de 1500 a.C, registra-se o louvor àqueles que são capazes de fazer milagres: “Aśvins, abundantes em atos poderosos, guias (de devoção), dotados de fortaleza, ouçam, com mentes não desviadas, as nossas orações” (Meier, 2013. Hino 3.2 Aśvins (Wilson) (Sūkta III).

“Sábio Pūṣan, Operador de Milagres, nós reivindicamos de ti agora a ajuda com a qual Tu favoreceste nossos antepassados antigamente” (Meier, 2013. Hino 42.5 Pūṣan (Griffith).

No entanto, o milagre não é tão propagado e buscado dentro da religião hindu, devido ao próprio sistema da religião. Conforme o Carma Hindu, o ser humano recebe aquilo que merece, pois “o destino de cada um foi provocado por ele próprio em uma vida anterior, por meio de boas ou más ações. Assim, por causa das más ações, pode-se renascer em uma existência pior, em uma casta inferior, ou como animal, ou no inferno” (Domezi, 2013:90).

2.1.5. O Budismo

O budismo nasceu do rompimento com a religião hindu (séc. V a.C). Embora o milagre seja algo inerente à fé, o budismo não o promete. Segundo Alves (2005:270), o que se diz sobre Buda é apenas que teve um nascimento e morte semimiraculosos e que curou alguns feridos e nada mais. O budismo não tem uma doutrina do milagre, porque não está na raiz da religião a busca pelo

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extraordinário. Buda chegou a dizer que “quem tenta fazer milagres, não compreendeu a doutrina do Tathágata” (Kharishnanda, s.a. :67).

2.1.6. Os cristãos do primeiro século

Pelo que foi falado até agora, não se pode dizer que o milagre era algo desconhecido para os judeus que viriam a ser os cristãos do primeiro século. O cristianismo herdou um sistema religioso já estabelecido ao longo dos séculos tendo o judaísmo como uma de suas bases, além da influência grega e romana. Da Costa (1992:16-17) afirma que embora haja uma lacuna histórica entre Malaquias e Mateus, Israel não ficou sem literatura nesse período. Os judeus tiveram outras obras que registraram seu sofrimento e esperança. “Israel [...] cantava a sua fé na vinda do Messias; os escritores advertiam o povo contra a negligência e o admoestava a persistir tenazmente...”. Esse exercício religioso favoreceria conceitos teológicos que viriam com a chegada do cristianismo.

O Novo Testamento contém termos gregos com significados semelhantes aos termos hebraicos do Velho Testamento para referir-se ao milagre. A seguir, serão observados os três termos principais: sinal (σημεῖον), maravilha (τέρας) e poder

(δυνάμεις). Foi com essas palavras que a doutrina do milagre se estabeleceu no

cristianismo.

A palavra sinal (σημεῖον), no sentido de milagre, aparece 68 vezes no Novo testamento, sendo 42 vezes nos Evangelhos, relacionada aos milagres de Jesus (Concordância Bíblica, 1997:961). Embora sinal (semeion) seja uma tradução na LXX da palavra hebraica (’ôt,), de acordo com Brown e Coenen (2000:1287), a palavra era comum na linguagem épica grega antiga, no entanto, “a palavra não advém originalmente da esfera da religião, mas em contextos apropriados, toma coloração teológica”.

Brown e Coenen (2000:1293) dizem que (τέρας) “sinal milagroso”, “prodígio”, “portento”, “presságio”, “maravilha” era usada antes da escrita do Novo Testamento. A palavra tem o significado de “sinal” da parte dos deuses; já em

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Homero, ela expressava “aparecimentos terríveis” que causavam medo e terror e era antinatural. Na LXX, foi traduzida do hebraico, (mophet) “sinal”, “prova”, “milagre”, fazendo que o termo diferisse do uso grego secular. “Para mophet e

τέρας, é sempre essencial a referência da autorrevelação de Javé”, conforme o

Velho Testamento: “Eis-me aqui, e os filhos que o SENHOR me deu, para sinais e para maravilhas em Israel da parte do SENHOR dos Exércitos que habita no monte

Sião” (Isaias 8:18).

As palavras maravilha, sinal e poder usadas em alternância no Novo Testamento são sinônimas de milagre. Geisler (2010:43) resume essas três palavras assim: “um milagre é um evento incomum (maravilha) que transmite e confirma uma mensagem incomum (sinal) por intermédio de uma habilidade incomum (poder)”. Embora o milagre fosse incomum, era algo que falava de maneira poderosa e quem supostamente o presenciava ficava tomado de espanto e, ao mesmo tempo, maravilhado.

Evidencia-se também que, desde o início, a fé cristã tenta desvendar os acontecimentos incomuns experimentados. “O assombro e o espanto que se sente diante da confrontação com semelhante espetáculo, ou por semelhante impressão, se expressa mediante o grupo de palavras thaumazõ...” (Brown & Coenen, 2000:1282). Esse grupo de palavras também significa: ficar atônito, maravilhar-se, ficar surpreso, objeto de admiração, prodígio, maravilha, milagre, maravilhoso, notável, ficar assombrado, alarmado, medo, lançar em desordem, aflito, distúrbio entre outras. Eles afirmam ainda que esse grupo de palavras (associado a thauma) “ocorre em grego desde os séculos VIII e VII a.C., para designar aquilo que, ao aparecer, causa assombro e admiração.”, isso significa que a teologia neotestamentária do milagre se desenvolveu tendo a cultura grega como pano de fundo.

No entanto, embora sinal, poder e maravilha tenham seus correspondentes no mundo secular, elas não derivam dali quando usadas no Novo Testamento, mas sim do Velho Testamento, pois estão ligadas à autorrevelação do Deus de Israel.

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Os Evangelhos registram a história de Jesus Cristo desde o anúncio do anjo, feito a Maria (Mateus 1:18) até à Sua ressurreição (Mateus 28:6) como obras de milagres. Durante todo o ministério público de Jesus, o milagre estava presente de modo que o cristianismo se construiu amparado por ele. Os primeiros cristãos tinham certeza de que aquilo que Jesus estava fazendo não era natural, assim como não tinha sido para os seus antepassados no Êxodo. Nem por isso, o milagre é algo simples de ser explicado; nem para os que creem, nem para os que não creem. Aulén (1965:92) afirma o seguinte: “o ‘milagre’, no sentido religioso, não é sinônimo daquilo que se pode compreender, mas sim daquilo que a fé percebe. O miraculoso está inseparavelmente vinculado à percepção de uma faceta da atividade de Deus”. É possível perceber que, para os judeus do 1º século, embora não fosse comum, por isso ficavam maravilhados, atônitos, o conceito de milagre estava presente, pois a certeza de um único Deus poderoso era uma realidade inquestionável para eles. Esse era o mundo religioso que se expressa nas palavras de Nicodemos, um mestre da lei do primeiro século.

Nicodemos faz uma afirmação da consciência coletiva: “sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus, porque ninguém pode fazer esses sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele” (João 3:2). Ele não negou que os milagres existissem, nem que Jesus os estivesse realizando, mas revelou uma dificuldade em compreender o seu propósito. A explicação de Jesus a Nicodemos demonstrou um propósito que fugia à lógica humana. Aqueles sinais faziam parte da chegada do reino, se bem que Nicodemos fosse mestre em Israel, ele desconhecia que “a participação no reino de Deus só podia ser obtida passando-se pela porta da regeneração” (Bruce, 1987:83). Havia coisas além dos sinais que Nicodemos também não entendia naturalmente, como nascer da água e do Espírito, nascer de novo e ressurreição. Portando, Jesus explicou que esses sinais tinham a ver com a revelação do amor de Deus ao mundo (João 3:16).

Mesmo mais tarde, quando o assunto passou a ser um tema teológico, Agostinho (1994:65) viu o milagre como obra de Deus que foge da habitualidade. Não é algo que se espera compreender pela lógica humana ou explicado pela ciência.

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Pensando que a ressurreição de Jesus foi algo sobrenatural e o maior milagre do cristianismo, não se pode falar dela sem considerá-la como um ato extraordinário (Frame, 2013:216). Ainda no primeiro século, o apóstolo Paulo, o grande teólogo da doutrina da ressurreição, bradou aos Coríntios: “Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou.E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados” (1 Coríntios 15:16-17). É evidente que o apóstolo Paulo estava rebatendo o ensino na igreja de Corinto, onde alguns diziam que a ressurreição dos mortos não era possível. Paulo recorreu às várias testemunhas oculares daquele fato histórico (1 Coríntios 15:6), mas acima de tudo evocou a própria fé dos crentes. O objetivo era demonstrar que algo extraordinário havia acontecido, testificando que Jesus era realmente quem disse que era, o Filho de Deus. Isso evidencia o amadurecimento da doutrina do milagre ao longo do primeiro século, tendo a ressurreição como um de seus elementos fundamentais.

Elwell (2009:526) afirma que após a ressurreição de Cristo, o cristianismo contou com algumas evidências de sua veracidade nos dias dos apóstolos e dentre elas estavam os sinais e maravilhas. Naquele momento foi fundamental como atestado de Deus da obra apostólica e da igreja nascente.

Com a estabilização do cristianismo no Império Romano, houve a consolidação do teísmo monoteísta e das doutrinas dos apóstolos e o milagre foi uma delas. Hodge (2001:467) sustenta que “a doutrina dos milagres, portanto, fundamenta-se na doutrina do teísmo, ou seja, de um Deus extramundano e pessoal que, distinto do mundo, o sustenta e o governa de acordo com a sua própria vontade”. Tendo a princípio definidas doutrinas básicas, o conceito de milagres dentro da igreja cristã não sofreu resistência significativa nos primeiros séculos da era cristã.

2.1.7. O Espiritismo

O espiritismo nasceu no século XIX em um momento em que a Europa experimentava um fenômeno interessante, as mesas girantes. “As primeiras manifestações inteligentes se deram por meio de mesas que se moviam e batiam,

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com um pé, um número determinado de golpes, correspondendo a sim ou não, segundo a convenção, a uma questão posta” (Kardec, 2012:31). O fenômeno passou de divertimento noturno nos salões europeus para “zombaria dos jornais em diversas partes do mundo” (Doyle, 2008:106). Aqueles que levaram a sério o fenômeno entenderam que aquela era uma nova maneira de comunicação dos espíritos.

A curiosidade sobre as mesas girantes levou o cientista francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869) a estudar profundamente o fenômeno. A sua conclusão foi que aquilo era realizado por uma força inteligente, os “Espíritos dos homens” que haviam morrido. Hippolyte publicou o resultado de sua pesquisa, O

livro dos Espíritos (1857), abandonou o ceticismo, adotou o nome Allan Kardec e

fundou o espiritismo, uma mistura de religião, filosofia e ciência. Ao contrário do que se poderia imaginar, Kardec não considerou este fenômeno como algo milagroso, antes rejeitou a possibilidade de um mistério inexplicável.

A doutrina espírita por influência do pensamento naturalista atesta, portanto, que o milagre é fantasioso, fruto da ignorância dos incautos. Que, o que resta ainda de maravilhoso é apenas a parte que a ciência ainda não deu explicação natural. Para Kardec (2013:232),

foram fecundos em milagres os séculos de ignorância, porque se considerava sobrenatural tudo aquilo cuja causa não se conhecia. [...] mas como a ciência ainda não explorara todo o vasto campo da natureza, larga parte dele ficou reservada para o maravilhoso.

No espiritismo nem mesmo uma mesa que possa flutuar (uma referência às mesas girantes), em uma sessão espírita, será um milagre, o fato, mesmo que aparentemente sobrenatural estará apenas ferindo uma lei conhecida, porque existem leis naturais que a ciência ainda não conhece.

O espiritismo considera que o desconhecimento de uma lei natural gera a superstição e que o maravilhoso desaparece quando a ciência o elucida e que os

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atos sobrenaturais nem mesmo servem para atestar a veracidade de uma religião, visto que as religiões pagãs antigas estão repletas de atos maravilhosos. Kardec (2013:240) dizia que “se a veracidade de uma religião dependesse do número e da natureza de tais fatos, não se saberia dizer qual a que devesse prevalecer”.

2.1.8. A ciência

Por muito tempo as questões sobrenaturais ficaram confinadas aos redutos da religião tendo o cristianismo como o seu principal representante. No século XVIII, o iluminismo, movimento intelectual e filosófico que abalou as estruturas da Europa, propôs-se a negar qualquer tipo de autoridade firmada, a religião não foi menos criticada e atacada do que a moral e a política. O iluminismo desprezou a ideia da intervenção sobrenatural de Deus na história, se não intervém na história, o milagre então é impossível. Todas as possibilidades da existência de milagres, inclusive os da Bíblia, sofreram duras críticas do filósofo naturalista David Hume (1711-1776). Hume (2004:161) argumentava que "nenhum testemunho é suficiente para estabelecer um milagre, a menos que seja de um tipo tal que sua falsidade fosse ainda mais milagrosa que o fato que se propõe a estabelecer”. Portanto, não há milagre no naturalismo, pois tudo encontra seu significado na natureza. A natureza é composta daquilo que se vê, que se prova. A ideia do milagre é abstrata e escapa a essa análise, portanto, não serve à ciência.

No campo secular, o mais corajoso cientista que quis falar sobre o milagre do ponto de vista científico ainda hoje, talvez seja o britânico Colin J. Humphreys em seu livro Os Milagres do Êxodo. Para citar um exemplo; ao tentar desvendar o mistério da sarça ardente visto por Moisés (Êxodo 3:2), Humphreys (2004:77) sugere que possivelmente Moisés estivesse diante de um fenômeno explicável pela ciência; o chamado fogo-fátuo, um gás natural que sobe do solo e provoca uma combustão espontânea. Ele não diz que os milagres do Êxodo são falsos, mas ele tenta explicá-los cientificamente. Porém, se um milagre puder ser explicado pela ciência ele deixa de ser milagre.

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O milagre como um fato, não é negado pela ciência, mas sim a possibilidade de que ele seja provado por ela. Por não ser explicado, a religião chama de milagre e a ciência não admite essa afirmação.

A ciência não define e nem atesta a ideia do milagre. Quando versa sobre o assunto, apenas tenta provar a sua impossibilidade, visto que ele não pode ser comprovado em laboratório. A necessidade, então, de observar o conceito de milagre pela ótica da ciência está no fato de ser justamente a matéria que mais ataca a sua possibilidade.

2.1.9. A cultura indígena brasileira

A doutrina do milagre, em grande parte, foi influenciada pela cultura judaico-cristã. Como seria, então, o conceito de milagre para um povo que desconhecia até 1500 d.C a ideia de um teísmo monoteísta? Esse foi o cenário que os colonizadores Europeus encontraram no Novo Mundo, o qual se tornaria mais tarde um dos maiores países cristãos católicos do mundo, o Brasil. Embora pouco conhecida, a religiosidade indígena brasileira preservava, muito antes da chegada dos europeus, a prática da magia em rituais de cura. Usando como exemplo uma das tribos mais conhecidas, a Tupi-Guarani, o pajé ou xamã, líder espiritual da tribo invocava os espíritos através de rituais e cantoria. O sobrenatural no mundo indígena estava relacionado à magia. O xamã ou pajé (pai’é), em tupi-guarani, curava quando entrava em transe e recebia orientações dos espíritos sobre a qual tipo de tratamento o doente deveria se submeter, desde o banho com ervas, dietas, cortes pelo corpo ou isolamento. “A cura era a capacidade do pajé em controlar os espíritos” (Laraia, 2005:8-9).

Devido à colonização portuguesa professar a fé católica, Mesgravis (2015:24) lembra que a missão principal dos jesuítas no Brasil era a de “catequizar os índios e engordar o rebanho submisso à igreja católica”. Os índios que invocavam os espíritos e veneravam a natureza foram impedidos de continuar com as suas práticas consideradas diabólicas pelos padres portugueses. Gurgel (2010:100) lembra que “os nativos foram cristianizados à força,” mesmo assim houve

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resistência e as suas práticas religiosas milenares não se erradicaram totalmente. Com o tempo, percebeu-se que mais que magia, os índios possuíam, na verdade, um vasto conhecimento milenar da farmacopeia amazônica, mesmo que atribuído às forças sobrenaturais. Gurgel (2010:63-64) descreve uma longa lista de remédios à base de ervas usados pelos índios que, bem cedo, foram observados pelos colonizadores. Mais tarde, esse conhecimento se alastrou dando origem à medicina popular alternativa.

O fato é que não é possível saber como os nativos brasileiros foram influenciados em seus rituais de cura; a melhor explicação seria a que o fenômeno religioso é universal. Lopes (2006:295) afirma que, “desde os tempos mais remotos, o homem tem levantado altares. Há povos sem leis, sem governos, sem economia, sem escolas, mas jamais sem religião. O homem tem sede do Eterno. Deus mesmo colocou a eternidade no coração do homem”. Mondim (2005:224) faz uma afirmação semelhante, mas genérica, entendendo a multiforme manifestação religiosa, “... todas as tribos e todas as populações de qualquer nível cultural cultivaram alguma forma de religião”.

2.2. O milagre na pós-modernidade

Da mesma forma que a religião, a crença no extraordinário se desenvolveu entre os povos, visto que esta é resultado daquela. Como as previsões humanistas de que a religião iria acabar falharam, até hoje líderes religiosos de todas as religiões continuam praticando seus rituais de curas e milagres. Wilkinson (2001:113) relata que mesmo as culturas que sofreram com a influência religiosa de potências colonialistas ainda preservam seus ritos antigos. “A pessoa mais importante nas religiões africanas tradicionais é o xamã. Durante as cerimônias, ele usa máscara e traje especiais e, através da dança e da música, em geral feita por tambores, torna-se o espírito daquele que está invocando com poderes para curar os doentes”.

Ou seja, com o passar do tempo, a crença na magia e no extraordinário não se tornou menos crível, independentemente da cultura ou do seguimento social.

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Mesmo que se tenham termos e personagens diferentes, é visível a crença comum de que, de alguma forma, o mundo natural sofre influências do mundo sobrenatural. Isto é inegável em todas as culturas, em todos os tempos. Há o entendimento de que esse pensamento tem a ver com a herança do animismo presente na cultura humana em que uma de suas características é o anseio pelo poder.

A essência do animismo é poder – poder do ancestral de controlar os de sua linhagem, o poder de mau-olhado para matar um recém-nascido ou arruinar uma safra, [...] a força da magia de controlar os acontecimentos humanos, o poder das forças impessoais para curar um filho ou tornar uma pessoa rica (Kürle, 2014:32, 33).

O cristianismo sobrepujou o conceito animista e o mito através da revelação Bíblica. Portanto, não reconhece milagre genuíno fora do monoteísmo revelado na Bíblia Sagrada. Qualquer outro fenômeno extraordinário pode ser chamado de magia ou encantamento, menos milagre.

Porque só um ato operado por Deus pode, com propriedade, ser chamado de milagre, segue-se que os eventos surpreendentes operados pelos espíritos maus ou por homens através do uso de agentes além do nosso conhecimento não têm o direito a esta designação. As Escrituras reconhecem a sua existência, mas os chamam de ‘prodígios de mentira’ (2 Tessalonicenses. 2.9) (Strong, 2003:203).

A doutrina sistematizada do milagre hoje é fruto de um longo processo de desenvolvimento religioso do ser humano que tem um ponto em comum, o anseio pelo sagrado e pelo extraordinário. A doutrina cristã do milagre é monoteísta e se desenvolveu especialmente a partir da Bíblia Sagrada para judeus e cristãos. Ou seja, ela é definida e desenvolvida a partir de relatos do Velho e Novo Testamentos e tem propósitos definidos conforme será verificado a seguir. É a partir dessa visão do milagre como algo real, divino e monoteísta, conforme a

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Bíblia Sagrada, que esse trabalho se desenvolve. Portanto, pode-se resumir que a crença nos atos extraordinários como atividade dos deuses é pré-cristã e de uma forma ou de outra houve influências sobre o cristianismo para se definir a sua própria doutrina do milagre. No entanto, fica evidente também que o cristianismo emprestou os termos diretamente do Velho Testamento, demonstrando que Deus está constantemente agindo no mundo e na história do ser humano desde o princípio através de sua ação providencial. Também há casos em que Deus, mesmo sem ferir as leis da natureza, antes usando meios naturais, muitas vezes realizou a Sua vontade e isso foi chamado de milagres (Números 11:31, Jó 36:5-6, Salmo 145:15).

Mesmo no seu longo processo de desenvolvimento como doutrina cristã, o milagre jamais passou despercebido ou então não seria considerado extraordinário ou sobrenatural. Grudem (2009:562) diz que é “o ato incomum de Deus testemunhar sobre Si mesmo e despertar admiração e surpresa nas pessoas”. Não uma admiração temporária que cessa, quando se acostuma com ela, isso seria um uso inapropriado para a utilização do termo milagre (Tillich, 2005:128).

Frame (2013:209) fala de muitas alegações de milagres através dos séculos e até agora. Porém, muitos desses supostos milagres não sobreviveram e não sobreviverão ao tempo e à crítica, diferente do que ocorreu com os relatos de milagres do Novo Testamento. Isso se deve à falta de entendimento da verdadeira definição e do propósito bíblico do milagre os quais esse trabalho se propõe a fazer. Contudo, não se pode desprezar o aprendizado das religiões desde a era pré-cristã, pois ele é a base da percepção que se tem sobre o fenômeno do milagre. A doutrina do milagre que se há definida teve a sua construção na história e na revelação bíblica, conforme pode ser visto a partir do Novo Testamento.

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CAPÍTULO 3: O PROPÓSITO DO MILAGRE NO NOVO TESTAMENTO

Na década de 1990, uma onda de pretensos milagres varreram as igrejas brasileiras, sobretudo naquelas chamadas mais avivadas. Lopes (2012:11) informa que esse fenômeno percorreu diversas partes do mundo e ficou conhecido como a “terceira onda do Espírito”. Houve muita confusão sobre esse movimento principalmente no âmbito das igrejas tradicionais. Foi a década em que se falava do aparecimento de dentes de ouro e do emagrecimento instantâneo. O fenômeno já não era novidade nos círculos carismáticos americanos (norte-americanos e latino-americanos) na década de 1980, os quais demonstraram grande interesse por esse assunto como a nenhum outro (Chantry, 1990:14). Depois do movimento, a pergunta que ficou no evangelicalismo brasileiro foi: qual o propósito daqueles fatos na vida prática da igreja bem como no processo de crescimento espiritual dos envolvidos? É difícil ter uma resposta, até porque foram desencadeados vários outros movimentos posteriores a esse. Quase trinta anos depois, as pessoas parecem tão acostumadas com a ideia do sobrenatural que não revelam mais nenhum espanto.

O milagre que outrora parecia ser algo extremamente raro, oculto, tornou-se no evangelicalismo brasileiro um produto a ser consumido. No entanto, um estudo do Novo Testamento revela que os milagres estão muito além de um propósito superficial. Chantry (1990:27) ao falar sobre os milagres realizados por Jesus afirma: “Ainda que através dos milagres de Jesus fossem conferidas muitas bênçãos aos homens, seu propósito primordial não era prover a sociedade de uma ajuda compassiva”. Isso não significa que Jesus não tenha realizado milagres por compaixão. Mateus (14:14) diz que ao olhar para a multidão que O seguia, Jesus compadeceu-se dela e curou os doentes.

O milagre estava envolto de ensinos, por isso justifica dizer que foi pedagógico. Jesus tinha a intenção de ensinar algo enquanto operava os milagres e os evangelhos registraram muitos desses momentos. Estes evangelhos foram escritos, conforme o evangelista Lucas (1:1-4), como forma de testemunho do que aconteceu sobre a vida de Jesus.

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Muitos houve que empreenderam uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, conforme nos transmitiram os que, desde o princípio, foram deles testemunhas oculares e ministros da palavra, igualmente a mim me pareceu bem, depois de acurada investigação de tudo desde sua origem, dar-te por escrito, excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem, para que tenhas plena certeza das verdades em que foste instruído.

O registro de Lucas é histórico com precisão de detalhes e datas possíveis de serem averiguadas.

Os milagres neotestamentário têm caráter teleológico e, para se afirmar isso, é preciso discursar sobre a sua realidade e a sua existência, pois não é possível negar ou afirmar o nada, o inexistente. Portanto, mesmo que o objetivo desse capítulo seja investigar o propósito do milagre no Novo Testamento é importante observá-lo em seu contexto maior, visto que, para o cristianismo, a Bíblia compreende tanto o Novo quanto o Antigo Testamento. O milagre encontra o seu lugar na Bíblia como um todo de modo que “é impossível removê-lo dali sem que façamos violência e destruamos o caráter dos registros” (Ferreira, 2005:275).

A crença nos milagres, especialmente os de Jesus e dos apóstolos está firmada primeiramente na autenticidade dos fatos registrados no próprio Novo Testamento e pelos inúmeros documentos históricos de alta confiança que estão preservados até agora, além dos testemunhos arqueológicos e evidências nos escritos judaicos e não judaicos antigos (Bruce, 1990:22).

Os milagres do Novo Testamento, mesmo que em situações e épocas diferentes, são, de certa forma, a continuação daquilo que os hebreus já tinham experimentado em momentos específicos e importantes no Velho Testamento. Um dos maiores eventos para o povo hebreu e que marcou a sua história foi a saída do Egito que se deu sob a ação maravilhosa de Deus. A história de Israel como povo, nação, começa a partir do êxodo bíblico, quando Deus fez uma aliança com o povo tendo Moisés como mediador (Eichrodt, 1975:34). Essa saída

Referenties

GERELATEERDE DOCUMENTEN

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