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Entre o fogo cruzado e o campo minado: Valle Menezes, P.

2015

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Valle Menezes, P. (2015). Entre o fogo cruzado e o campo minado: uma etnografia do processo de pacificacao de favelas cariocas. Vrije Universiteit.

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10. SOCIOLOGIA DA CRÍTICA ÀS UPPs

10.1. O desarmamento da crítica e do tráfico em áreas “pacificadas”

Neste último capítulo da tese, apresento o esboço de uma sociologia da crítica das UPPs. Trata-se de uma tentativa de mapear e analisar as críticas endereçadas ao projeto ao longo dos seis últimos anos. Minha ideia é apresentar, portanto, de modo sistemático nessa parte final da tese, uma breve história das UPPs, tipologizada em fases, a partir das críticas que foram apresentadas ao projeto em todo o seu período de existência. Para expor tal análise começarei retomando o cenário pré-UPP para relembrar as críticas que eram feitas à política de segurança pública no Rio de Janeiro antes do advento do processo de “pacificação”.

Entre 2007 e 2008, antes das UPPs serem criadas, a violência urbana no Rio de Janeiro parecia ser “um problema sem solução”. O “círculo vicioso” de violência alimentado pela política de segurança baseada no confronto ou no enfrentamento, que há décadas vinha sendo implementada no estado do Rio de Janeiro, parecia ter atingido seu ápice no primeiro ano do governo de Sérgio Cabral Filho – como mostrei no capítulo 1. O próprio Beltrame aponta que ao assumir a secretaria de Segurança, em 2007, “a polícia do Rio era a que mais matava e que mais morria”. Logo, “se a polícia que mais mata é também a que mais morre, a solução é óbvia: partir para o confronto como se fazia não era a solução” (2014, p.78).

Naquele momento, fortalecia-se, portanto, um consenso em torno da ideia de que a política de “guerra contra o crime” estava sendo contraproducente (RIBEIRO; DIAS; CARVALHO, 2008, p. 15), pois não estava tornando o Rio de Janeiro mais seguro e ainda gerava um alto índice de letalidade e um custo humano inaceitável. Outra crítica reincidente à “política do enfrentamento” era que, embora ela causasse um enorme transtorno na vida dos moradores da cidade, em geral, e para os favelados, em especial – que tinham que conviver com os constantes tiroteios em seus territórios de moradia – ela não era capaz de romper com o domínio territorial do tráfico nas favelas. Logo, o “direito de ir e vir” nos territórios favelados não era garantido pelo Estado e ali predominava o arbítrio dos traficantes.

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policial nesses territórios. E foi, assim, que surgiu, em novembro de 2008, o projeto das UPPs a partir da ocupação policial permanente do Morro Santa Marta. O secretário conta que, inicialmente foi muito questionado e com frequência lhe perguntavam: “ah, isso vai dar certo?”. Ele assume que “nem sempre tinha certeza se ia dar certo ou não”, mas “tinha a convicção de que era necessário fazer alguma coisa diferente” (2014, p. 95).

As UPPs apresentavam-se para Beltrame como “uma ótima oportunidade para baixar os homicídios, os índices de criminalidade e mudar a cultura policial do confronto” (2014, p.114). Mas para que o projeto desse certo e não seguisse o mesmo caminho das experiências de “ocupação permanente” anteriores, era preciso angariar apoios entre diversos setores da sociedade. Por isso, o secretário conta que – além de montar um grupo encabeçado por seus subsecretários e colaboradores da polícia que tinha a missão de elaborar a metodologia das UPPs e elaborar um plano para o projeto avançar – ele mesmo deu início à “fase do convencimento público”, fazendo um “trabalho de relações públicas” que envolveu “mais de 150 encontros com a imprensa e formadores de opinião” (2014, p.115).

Pouco a pouco, o secretário e sua equipe foram conseguindo, então, enfrentar algumas das resistências ao projeto existentes dentro da própria polícia, na população de um modo geral e, especialmente, entre os moradores das áreas ocupadas. E, em pouco tempo de existência, as UPPs acabaram configurando-se como a “luz no fim do túnel” para o problema da violência urbana no Rio de Janeiro. Isso só foi possível porque, em seus primeiros anos de existência, o projeto – diferentemente das “ocupações permanentes” anteriores, como o GPAE – conseguiu reunir uma ampla base de sustentação que, como exposto no capítulo 1 dessa tese, incluiu o apoio: a) da mídia; b) de políticos da esfera federal, estadual e municipal; c) do empresariado carioca; d) de organizações da sociedade civil; e d) da maior parte da população carioca (incluindo aqui uma grande parcela dos moradores das favelas “pacificadas”).

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bairros nobres da cidade, como também – e sobretudo – para os moradores dos territórios favelados. Os resultados de diversas pesquisas feitas sobre o projeto, até 2012, listavam como indicadores do sucesso das UPPs:

a) o desarmamento do tráfico em favelas “pacificadas” ou, pelo menos, a redução do porte ostensivo de armas de fogo por outros atores que não a polícia;

b) a forte diminuição dos tiroteios e das incursões policiais esporádicas e violentas; c) a drástica redução dos homicídios, dos roubos e da violência armada em geral, não

só no interior das favelas mas também no seu entorno (CANO; BORGES; RIBEIRO, 2012);

d) a redução da arbitrariedade e da violência policial nas áreas onde as UPPs estão operando (MACHADO DA SILVA, 2010), que estaria relacionada ao “maior controle social, interno e externo, sobre a corrupção e o abuso de poder praticados por policiais” nos territórios ‘pacificados’” (MUSUMECI ET AL. , 2013:1

e) a queda nos números de “autos de resistência” (MISSE; GRILLO; TEIXEIRA; NERI, 2013, p. 9), o que parecia indicar que, de certo modo, a UPP poderia ajudar a “civilizar” a polícia ou que poderia se tornar uma “política de proteção da população contra a própria polícia e o alto grau de letalidade das incursões policiais” (MISSE, 2014, p. 682);

f) a maior liberdade de ir e vir dos habitantes que, em conjunto, acabam melhorando significativamente o sentimento de segurança entre os moradores diretamente afetados pela UPP (MUSUMECI ET AL., 2013; IBPS, 2009; CECIP, 2010; SOUZA E SILVA, 2010; BURGOS ET AL., 2011; CANO, 2012; OLIVEIRA; ABRAMOVAY, 2012; RODRIGUES; SIQUEIRA, 2012; SERRANO-BERTHET, 2013);

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Todos esses indicadores ajudavam a reforçar a ideia de que “após mais de três décadas de experimentos fracassados de programas de segurança pública no Rio de Janeiro”, as UPPs apresentavam-se como “uma resposta bem-sucedida para a questão da violência nesse estado, em especial na sua capital” (BURGOS ET AL., 2012, p. 2). Ou como sugeriu Barbosa (2012, p. 257), no momento inicial do projeto, havia uma percepção coletiva de que era possível “elevar o tom e dizer que, desde a reforma urbana e sanitária do prefeito Pereira Passos (com o ‘bota-abaixo’ dos cortiços e moradias pobres no centro da cidade, no início do século XX) e a remoção das favelas durante os anos 1960 e 1970” poucas ações governamentais tinham gerado um impacto tão significativo na vida dos moradores da cidade do Rio de Janeiro quanto as UPPs estavam gerando.

10.2. O consenso em torno das UPPs

Inspirada na ideia central que Luc Boltanski e Eve Chiapello propuseram em

O Novo Espírito do Capitalismo, proponho apresentar nesse capítulo um ensaio de

uma sociologia da crítica às UPPs. Sugiro que o aludido consenso inicial estabelecido em torno do projeto das UPPs se deu em razão de sua capacidade de incorporar, ainda que parcialmente, algumas das principais críticas que vinham sendo apresentadas à política de segurança pública nas últimas décadas. Para ser mais exata, argumento que a política de segurança em torno das UPPs, quando conseguiu reduzir consideravelmente as recorrentes interrupções de rotina, os tiroteios, as mortes violentas, a presença ostensiva de armas e o domínio que os traficantes tinham do território das favelas – ou seja, os principais elementos em torno dos quais a representação da violência urbana estava fundada –, ela consegue desarmar as

principais críticas que vinham sendo feitas à política de segurança pública baseada no

enfrentamento. Por isso, ocorre juntamente com o consenso – ou mesmo como alguns jornais chegaram a dizer o “milagre” – das UPPs, um desarmamento da crítica. Esse desarmamento fez com que as novas críticas que começaram a surgir nos primeiros anos seguintes ao início do processo de “pacificação” fossem silenciadas, pois não conseguiam gerar em torno de si um consenso crítico suficientemente forte para colocar as UPPs em questão.

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impactos da crítica. Segundo os autores, eles são de três ordens. Um primeiro efeito possível diz respeito à capacidade que a crítica pode ter de deslegitimar e subtrair a eficácia daquilo que ela critica. Ao proporem uma história do capitalismo em três fases, cada qual dotada de um “espírito” em clara alusão à obra de Max Weber, Boltanski e Chiapello tentam mostrar como as críticas foram importantes para deslegitimar certos modelos de capitalismo, ou seja, de obtenção de lucros por meios pacíficos, obrigando o sistema a inovar e a produzir novas formas de engajamento e adesão para a sua perpetuação.

No caso das UPPs, argumento que as críticas dirigidas ao modelo de policiamento pautado na política do confronto ajudaram a mostrar a ineficácia das recorrentes incursões violentas. E, ao mesmo tempo, as críticas apontaram a necessidade da construção de uma outra forma de policiamento que se aproximará da “polícia pacificadora”.

Um segundo efeito da crítica, que aqui me interessa de modo particular, seria obrigar aqueles a quem a crítica se dirige a se justificarem em termos do bem comum. Nesse caso, quando a resposta não se reduz a meras “palavras vazias”, mas se calca em ações concretas cuja eficácia torna-se inconteste, Boltanski e Chiapello dizem que dois são os seus desdobramentos. Por um lado, sustentam que ocorre a incorporação, ainda que parcial, de “uma parte dos valores em nome dos quais era criticado”. Nessa via, pode-se citar o exemplo do caso europeu no qual o capitalismo, para se perpetuar e apaziguar a forte crítica social vigente no início do século XX, a incorpora parcialmente, e funda o que posteriormente ficou conhecido como Estado de Bem-Estar Social. No entanto, a consequência é que a crítica social não passa incólume por essa incorporação: “o preço que a crítica deve pagar por ter sido ouvida, pelo menos parcialmente, é ver que uma parte dos valores por ela mobilizados para opor-se à forma assumida pelo processo de acumulação [capitalista] foi posta a serviço dessa mesma acumulação”. O preço pago pela crítica social por ter sido parcialmente incorporada pelo capitalismo ao Estado de Bem-Estar Social foi sua desmobilização.

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Ainda com relação ao capitalismo, Boltanski e Chiapello se referem a um terceiro possível impacto da crítica. Nesse caso, eles dizem tratar-se de uma “análise muito menos otimista no que se refere às reações do capitalismo. Isto porque se pode supor que, em certas condições, ele pode escapar à exigência de reforço dos dispositivos de justiça social tornando-se mais dificilmente decifrável, “embaralhando as cartas”. Segundo essa possibilidade, a resposta dada à crítica não leva à instauração de dispositivos mais justos, mas sim à transformação dos modos de realização do lucro, de tal maneira que o mundo passa a ficar momentaneamente desorganizado em relação aos referenciais anteriores e num estado de grande ilegibilidade (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 63).

Nesse caso, argumento que o desarmamento da crítica propiciado pelas UPPs foi um arranjo entre esses impactos descritos por Boltanski e Chiapello. Pois, se por um lado, houve um efetivo processo de incorporação parcial das críticas em torno da política de segurança pautada pelo confronto, seguida de respostas eficazes como a redução dos tiroteios e das mortes, que as UPPs conseguiram gerar, por outro, esse novo projeto de policiamento, ao menos nos seus primeiros anos, produziu uma zona de indeterminação para a qual novas críticas ainda não possuíam ancoragens inteligíveis. As novas formas de repressão e os novos problemas instituídos pelo recém-instalado aparato policial ainda estavam pouco consolidados e, por algum tempo, não havia sequer um repertório crítico constituído para lidar com elas. Com o “embaralhamento das cartas” instituído pela situação pós-pacificação, as novas críticas ficaram por muito tempo esparsas, dispersas, fragmentadas, incapazes de reunir suas energias em torno de uma causa comum. Em poucas palavras, as críticas simplesmente não se “desingularizavam” (BOLTANSKI; THÉVENOT, 1991), isto é, elas não conseguiam sair do estado particular e tornar-se uma causa coletiva.

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expressão “patinar” como a descrição da sensação de que o velho repertório de demandas e questões passaram a flutuar no novo estado de coisas, já que perderam temporariamente a aderência com o (novo) mundo. E isso porque, a despeito do jogo de interpretações e da multiplicidade de definições acerca das UPPs, um consenso parecia atravessar as heterogêneas posições dos atores: a chegada do dispositivo “pacificador” produziu indubitáveis alterações no ambiente da favela, nele instaurando novas zonas de indeterminação, zonas essas para as quais o repertório sensível e crítico de até então não estava preparado para lidar. Por isso, foi a partir da atividade investigativa – no sentido pragmatista de John Dewey que utilizo ao longo da tese – que um esforço coletivo foi empreendido não apenas, como já mostrei, para navegar no novo ambiente, mas também, e esse é o ponto que quero salientar nessa parte, para a formação de um novo repertório crítico. Ou seja, o processo de mapeamento e de experimentação no novo ambiente foi contemporâneo e concomitante ao processo progressivo de formação desse novo repertório. Afinal, como é possível criticar aquilo que (ainda) não se conhece.

Mostrei no decorrer da tese como se deu o longo “processo de investigação” que diferentes atores empreenderam para conhecer, experimentar, formular e reformular as UPPs. Nesse processo as críticas tiveram um papel fundamental, pois ajudaram a edificar e a apontar os caminhos que o projeto deveria seguir. Se a “pacificação” começou a ser formulada como uma resposta às críticas que vinham sendo feitas à política dos confrontos – considerada excessivamente letal e contraproducente –, pouco a pouco o projeto também teve que ir enfrentando novas críticas – que embora não conseguissem ganhar muito espaço no debate público – aos poucos foram ganhando força. Inicialmente, a verdade é que a UPP conseguiu responder as primeiras e frágeis críticas que vinham sendo feitas a ela e, por isso, o consenso estabelecido em torno do sucesso do projeto esteve longe de ser quebrado. Com o passar do tempo, contudo, a UPP foi deixando de apresentar respostas eficazes às diversas críticas ao projeto e, com isso, o consenso crítico existente em torno da política de “pacificação” começou a ficar abalado.

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respostas que progressivamente foram formando um novo repertório – um novo “vocabulário de motivos” (MILLS, 1970). Apresento também como a manutenção do consenso em torno do sucesso das UPPs, que durou anos, foi mantido a partir de um silenciamento de parte significativa das críticas feitas ao projeto.

10.3. O silenciamento da crítica ao projeto

No início do meu trabalho de campo no Santa Marta, em 2009, eu ouvia tanto os moradores do Santa Marta quanto os da Cidade de Deus apontarem a redução das mortes violentas e dos tiroteios como benefícios inquestionáveis trazidos pelas UPPs. Ninguém negava que a diminuição dos conflitos armados tinha tido um impacto positivo na rotina da favela – visto que, anteriormente, a possibilidade constante de conflitos com arma de fogo gerava grande ansiedade na vida cotidiana dos moradores. No entanto, nas conversas informais, assim como nas entrevistas gravadas durante o campo, meus interlocutores demonstravam em suas falas um certo incômodo em relação à disparidade entre a sua experiência vivida e aquilo que era dito na mídia e nas propagandas oficiais do Governo sobre os impactos do projeto nas favelas.

Nas páginas de jornal e revistas nacionais e internacionais, assim como em matérias divulgadas na televisão e na Internet, a UPP aparecia como um caso de “sucesso” inconteste. Até 2011, muitas matérias elencavam os benefícios gerados pela “pacificação”, enquanto poucas notícias tratavam de conflitos e problemas em áreas “pacificadas”. As manchetes de jornal passavam a falar não mais em “ocupação” policial, mas referiam-se à implantação da UPP como um “benefício” que chegava à favela. E, nesse contexto, as críticas às UPPs não ganhavam grande destaque no debate público. Como resume Vital da Cunha:

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Em um artigo no qual analisam, através de matérias do jornal O Globo publicadas entre novembro de 2008 e fevereiro de 2009, que significados o termo “paz” e seus correlatos adquirem no contexto da instalação de UPPs no Santa Marta e na Cidade de Deus. Rocha e Palermo (2015) indicam que as tensões e críticas ao projeto são tratados pela mídia, nesse período, apenas como “ruídos menores dentro de um cenário de ‘paz’”. Ainda segundo Rocha e Palermo, a condição de possibilidade para que as favelas com UPP fossem representadas pela mídia como localidades “em paz” era “o silêncio e a invisibilidade do morador de favelas dentro das representações sobre o processo de ‘pacificação’”.

De um modo geral, concordo com o argumento apresentado pelos autores, mas considero que a construção das favelas “pacificadas” como “lugares sem conflitos, confrontos ou tensões” não dependeu exatamente da invisibilidade dos moradores nas representações sobre o processo de “pacificação – até porque faz parte dessa representação a imagem de moradores felizes e satisfeitos com o processo de “pacificação”. Argumento que a formação e, principalmente, a manutenção do consenso que se formou em torno das UPPs dependeu do chamado silenciamento da

crítica. E é importante ressaltar que quando falo em silenciamento das críticas incluo

tanto as queixas dos moradores quanto as dos policiais (e especialmente daqueles que lidam diretamente com a população e estão no nível mais baixo da hierarquia da corporação, sem assumir nenhuma posição de comando dentro da polícia) e dos traficantes (que têm negada qualquer possibilidade de apresentar críticas à atividade policial ou ao Estado já que agem contra a lei) que também são silenciadas cotidianamente. Digo isso porque durante as entrevistas realizadas com policiais ouvi muitos se queixarem que não podem falar publicamente o que pensam sobre as UPPs – por conta do militarismo e da hierarquia que só permite que apenas os superiores se pronunciem, falando em nome da corporação –, e que não podem criticar o funcionamento do projeto nem mesmo dentro de seus ambientes de trabalho. Como apontou um policial do Santa Marta: “não há espaço para críticas. Se você falar qualquer coisa vão te perseguir. Aí começam a usar o militarismo259 contra você, por ele ser superior”.

                                                                                                               

259 Nas entrevistas, policiais criticaram também outros aspectos do militarismo. Diversos policiais

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De diferentes maneiras, meus interlocutores – e aqui incluo tanto moradores como policiais e traficantes – indicavam que parecia haver uma grande discrepância entre a forma como eles experimentavam e vivenciavam a UPP e a maneira como o projeto era retratado pela mídia ou como era apresentado no debate público. Havia uma percepção coletiva de que o Governo só divulgava publicamente as informações que interessavam para manter uma boa imagem do programa e de que havia uma cumplicidade da chamada “grande mídia” nesse processo, que não abria espaço para a apresentação das críticas ao projeto nas matérias e reportagens jornalísticas.

Mas o ponto principal para o qual quero chamar a atenção é que gap entre a vida cotidiana dos que viviam no ambiente favelado e os anúncios midiáticos se intensificaram progressivamente com o decorrer dos dois anos do projeto. Pois se é verdade que o sucesso inicial das UPPs não apenas desarmou a crítica como conseguiu obter um apoio e adesão de parte dos próprios moradores da favela, é igualmente verdade que, com o tempo, esses mesmos residentes passaram a ver uma série de problemas que a “grande mídia” e o governo pareciam querer e insistiam em ignorar. Daí porque houve um aumento progressivo da percepção coletiva de que o Governo só divulgava as informações que interessavam para manter uma boa imagem do projeto e de que havia uma cumplicidade da “grande mídia” nesse processo.

Em resumo, a chamada “grande mídia” não abria espaço para a apresentação das demandas e reclamações da população (e como população incluo os seus os três grandes atores aludidos, os moradores, a polícia e o tráfico) de áreas com UPPs nas matérias e reportagens jornalísticas. Apenas entre 2011 e 2012 esse espaço, ainda que timidamente, começa a aparecer. Por isso, na visão de muitos moradores de favelas “pacificadas” – e também de alguns policiais da UPP – a “grande mídia” não retratava, portanto, o que estaria realmente acontecendo nos territórios “pacificados”. Nas palavras de um morador da Cidade de Deus: “nós que convivemos aqui, nós não                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

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vivemos de estatística, não. A gente que mora na favela sabe que a UPP, ela trouxe muitos benefícios, mas nada daquilo que sai no jornal é verdadeiro. Nós vivemos um factoide”. A mesma ideia aparece nas palavras de outros moradores do Santa Marta:

Quem é de fora e vê televisão acha que está uma maravilha, que a gente está adorando morar aqui. Uma impressão de felicidade, que os moradores estão bem. Uma falsa ideia de paz, a mídia passa isso. Mas, na verdade, só quem mora aqui sabe como é que é duro estar tendo que se manter aqui. Sabe como é difícil. (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)

Tudo que há de problema em relação ao Governo aqui no Santa Marta, tudo que envolve escândalo, não ganha destaque na mídia. Os problemas da favela não ganham destaque. É falado muito pouco, todo mundo sabe, mas fica à boca pequena. Até porque você não vê ninguém lendo jornal no meio da rua e mostrando “aqui ó, o que está acontecendo no Santa Marta”. Porque antigamente quando tinha guerra você lia o jornal e comentava no meio do caminho: “caramba, olha a minha casa lá!”. Depois que chegou a UPP os problemas ficam só na boca pequena, não há destaque na mídia, entendeu? E também tem aquilo: “opa, senão saiu na televisão, também não sou eu que vou afirmar”. Não é nem que seja mentira, mas “se a televisão não explodiu aquilo, porque que eu vou explodir? Vai pegar mal, vão dizer que sou eu que estou falando”. Tem aquela neurose, né? (Trecho de entrevista com uma moradora do Santa Marta)

Nesse contexto em que houve, portanto, uma forte desconfiança em relação a quase tudo que era dito na grande mídia e nos canais oficiais do Governo sobre o projeto das UPPs e seus impactos, os rumores ganharam uma grande importância. Isso porque, quase nenhuma informação oficial era tomada imediatamente como verdade sem que ocorressem especulações sobre a veracidade do que estava sendo dito e sobre quais poderiam ser as “reais intenções” do Governo e da mídia ao divulgar tal notícia. Assim, houve um constante “jogo de eco” entre as notícias formais e as “notícias improvisadas” (SHIBUTANI, 1966). E foi a partir desse jogo que as percepções dos atores sociais foram sendo formadas e novos ajustamentos coletivos foram surgindo e novos repertórios críticos foram se constituindo.

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Defendo a ideia de que em situações nas quais o acesso à esfera pública é impedido ou a exposição da crítica implica em uma boa dose de riscos, as pessoas tomam muito mais cuidado para apresentar críticas em espaços públicos e, muitas vezes, a elaboração intersubjetiva das experiências vividas ocorre, centralmente, na forma de rumores. Eles são a modalidade de discurso indireto que consegue captar sensações e estados existenciais das pessoas, fazendo-os circular de modo relativamente efetivo e seguro. Por isso, os rumores ganharam especial destaque em minha análise nessa tese e, junto como as notícias publicadas pela mídia e as observações feitas em campo, eles serviram de subsídio para que eu formulasse o mapeamento das críticas260 às UPPs disponível abaixo:

                                                                                                               

260 As fontes que usei para acompanhar as mudanças que ocorreram nas críticas feitas ao projeto ao

longo dos últimos seis anos foram: a) as observações feitas em campo; b) as entrevistas realizadas com moradores, policiais e traficantes; c) o cruzamento de outros dois mapeamentos que eu já tinha organizado anteriormente – o de notícias que saíram na grande mídia sobre o projeto das UPPs e o de rumores que circulavam pelas primeiras favelas “pacificadas” desde a inauguração do projeto em 2008. O cruzamento das observações, entrevistas e desses dois mapeamentos me permitiu ter acesso a um vasto elenco de críticas com níveis de publicização muito variados. Pude ter acesso não só às críticas que apareciam na grande mídia, mas também àquelas que circulavam em mídias locais (como a Rádio Comunitária Santa Marta) e ainda a outras que eram apresentadas em reuniões comunitárias mais formais e até mesmo em simples bate-papos informais que acontecem pelos bares, pelas ruas e vielas das duas favelas “pacificadas” aonde fiz trabalho de campo. Acompanhar os rumores também foi de grande valia, pois me permitiu analisar como algumas “notícias improvisadas” (SHIBUTANI, 1968) serviram de trampolim para a elaboração de críticas públicas enquanto outras permaneceram apenas circulando localmente ou até mesmo desapareceram em pouco tempo.

2008 2009

• Falta  de  informação   • UPP  como  marco  zero  

• Falta  de  diálogo  entre  a  polícia  e  os  moradores   2009

2010

•       Falta    de  discussão  sobre  prioridades   • "Duras  excessivas"  e  arbitrariedade  policial   •   Controle  da  vida  cultural  (em  especial  do  funk)   2010  

2011  

• Demora  da  chegada  do  social   • Regularização  e  aumento  do  custo  de  vida  

• Aumento  dos  crimes  não  letais   2011

2012

• Afrouxamento  do  policiamento   • Aumento  da  corrupção   • Fortalecimento  do  tráQico   2012

2013

• Expansão  da  UPP  para  favelas  mais  complexas   • Volta  do  fogo  cruzado  

• Mortes  violentas  em  áreas  “paciQicadas”  

2013 2014

• "Cadê  o  Amarildo?"    

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Sugiro que o consenso em torno das UPPs não foi abalado em seus primeiros anos de existência porque o Governo incorporou partes críticas dessas primeiras críticas que foram feitas ao projeto. A crítica indicava a falta de diálogo entre a polícia e a população, por exemplo, foi em parte desarmada a partir do momento em que os comandantes da UPP passaram a organizar reuniões comunitárias para debater questões diversas com os moradores. O problema relacionado às “duras excessivas”, aos casos de arbitrariedade e violência policial foi minimizado, nas primeiras favelas “pacificadas”, passada a fase inicial de adaptação da UPP. Isso porque, como visto no capítulo 6, com a rotinização da atividade policial na favela, as abordagens policiais passaram a ter foco mais seletivo e ocorrer com menos frequência. Consequentemente, houve uma momentânea “acomodação” dos conflitos entre policiais, moradores e traficantes. Essa “acomodação”, como indicou uma liderança comunitária do Santa Marta, foi “lida” por muitas pessoas como “sucesso” do policiamento implementado pela UPP, já que a polícia “tinha aprendido a lidar melhor com a população” e, logo, os conflitos entre moradores e policiais tornaram-se menos frequentes e intensos. Assim, as lideranças não podiam mais dizer simplesmente que a polícia é violenta, como aponta Itamar Silva:

Essa coisa da polícia ser flexível, ela atinge essa coisa do confronto. Então, em realidade, eu não posso dizer para você que ela é violenta. Ela, em alguns momentos, é. Quando ela negocia os interesses públicos, ela perdeu de um lado, mas vai cedendo de outro, vai fazendo um jogo. Isso vai tirando a potência de uma resistência, de um debate mais direto. (Trecho de conversa com Itamar Silva)

Assim, após a rotinização das UPPs, muitas das críticas elaboradas contra a UPP pareciam não encontrar ressonância nem mesmo entre o número de moradores das favelas com UPP. Reclamações relacionadas à instalação das câmeras e à proibição do baile funk perderam força como indica a fala de Zé Mário:

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não vi 15 pessoas. A intervenção das câmeras foi primeiro depois do funk. E dos 15 que tinham lá, eu acredito que 8 não eram funkeiros. Eram só lideranças que estavam lá para apoiar. Então, eu não entendo, até hoje não entendi. (Trecho de entrevista com Zé Mário, presidente da Associação de Moradores do Santa Marta)

Como perceberam que uma grande parte da população não parecia estar tão incomodada com as câmeras, com a proibição dos bailes na favela e mesmo com a atuação da UPP na favela – já que os policiais não estavam mais agindo de modo tão violento e indiscriminado quanto no início da ocupação –, as lideranças resolveram mudar o discurso que vinham fazendo. Mesmo aqueles que tinham apresentado, com mais ênfase, críticas à atuação da polícia na favela resolveram “mudar de foco”, por entenderem que não adiantava, como uma delas me disse, ficar “dando murro em ponta de faca”. Eles resolveram, então, deixar de falar sobre a UPP publicamente e apresentar críticas ao policiamento realizado em áreas “pacificadas”.

Sugiro que o silenciamento da crítica às UPPs atingiu seu ápice em 2010, porque o consenso formado em torno do sucesso do projeto parece estar mais forte do que nunca. Colaboraram ainda mais para o fortalecimento desse consenso as ocupações da Vila Cruzeiro e do Alemão em novembro de 2010261. Beltrame aponta que essas ocupações se tornaram “um divisor de águas na história da segurança pública do estado”. Para o secretário, a consequência dessas ocupações foi a consolidação do projeto das UPPs:

A ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, com a posterior implantação das UPPs, nessas favelas, consolidou a política de pacificação. A credibilidade do projeto ficou estabelecida de tal forma que foi possível avançar rapidamente no planejamento e na execução. Desenvolvemos um

know-how cada vez mais eficiente. Fomos agraciados com recursos,

estrutura e musculatura para disseminar as unidades. (BELTRAME, 2014, p.148)

Logo em seguida, diversas outras ocupações ocorreram, como a do São Carlos, no Estácio, depois as favelas de Santa Teresa. Outra ocupação considerada importante                                                                                                                

261 A cena dos bandidos da Vila Cruzeiro fugindo para o Alemão circulou o mundo todo. Como aponta

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foi a da Mangueira. Mas a ação que mais mobilizou a polícia e mais ganhou espaço na mídia, depois da ocupação do Alemão, foi a entrada na Rocinha262. Buscando dar uma resposta a uma das críticas feita após a ocupação do Alemão e não repetir erros cometidos em ações anteriores, Beltrame conta que proibiu que policiais carregassem mochilas durante a ocupação da Rocinha. Segundo o secretário, “a ordem tinha o objetivo de evitar que se praticasse o espólio de guerra263. A falta de um acessório para esconder o material dificultava a reincidência desse desvio de conduta” (BELTRAME, 2014, p.161). De acordo com o secretario, a estratégia parece ter dado certo, pois três dias após a ação, ele foi visitar a Rocinha e o Vidigal e teve uma recepção tocante dos moradores, que o paravam a todo momento para enaltecer a pacificação: “Já não havia, como nas primeiras experiências, o medo de falar abertamente da alegria de ver a favela livre. Não se verificava mais o receio de represálias caso os traficantes voltassem” (2014, p. 161).

Considero que se essas ocupações podem ser consideradas como o ápice da consolidação das UPPs, como sugere Beltrame, elas também devem ser consideradas como o início da fase decrescente do consenso que se estabeleceu em torno do projeto, como mostro na parábola abaixo. Digo isso porque a partir da ocupação das favelas maiores e mais complexas, começaram a aumentar e ganhar mais visibilidade os casos de tiroteio e mortes violentas. Consequentemente, houve uma renovação das críticas às UPPs e elas começaram a multiplicar-se, como mostrarei na próxima seção.

                                                                                                               

262 Ao contrário do que havia acontecido na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, Beltrame

aponta que no caso da Rocinha, houve tempo para arquitetar a ocupação. Por isso, a tática dessa vez foi diferente. O Governo decidiu, de início, “sufocar” outros favelas dominadas pela ADA e depois a Rocinha. Foi dada ordem para que fossem revistados todos os veículos que saíssem ou entrassem da favela e, assim, Nem, “o bandido mais procurado do Rio, chefe dos Amigos dos Amigos e o todo-poderoso da Rocinha” acabou sendo capturado (BELTRAME, 2014, p. 155). E, no dia 13 de novembro de 2011, a Rocinha, o Vidigal e a Chacará do Céu foram ocupados. Beltrame considera que “o

resultado foi fantástico”, pois “em menos de duas horas, a Rocinha estava totalmente ocupada sem que um tiro sequer fosse disparado, e os moradores do Vidigal circulavam pela comunidade com

tranquilidade”.

263 Na época da ocupação do Alemão circularam relatos de que grande quantias de dinheiro, armas e

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10.4. O rearmamento da crítica e do tráfico

A partir de 2011, começou a haver o que chamo de rearmamento da crítica às UPPs. Sugiro que essa renovação das energias críticas se deu por, pelo menos, cinco caminhos que tiveram como foco: a) não só a polícia, mas o Governo de um modo geral e, em especial, a demora da chegada do social nas favelas com UPP; b) o surgimento de novas inseguranças em “tempo de paz”, como o medo da gentrificação e do aumento de crimes não letais em áreas “pacificadas”; c) o afrouxamento do policiamento nas favelas já com mais tempo de “pacificação”, onde começa a haver o aumento da corrupção e do fortalecimento do tráfico; d) a expansão acelerada do projeto para favelas maiores e mais complexas onde a polícia encontrou muito mais resistência e dificuldade; e) o caso Amarildo e as manifestações de julho de 2013.

O primeiro caminho do rearmamento da crítica foi a mudança do foco das reclamações em áreas “pacificadas” que começou a ocorrer entre o fim de 2010 e 2011, como demonstrado no capítulo 7. Nas primeiras favelas “pacificadas”, a polícia saiu do centro do debate e o foco da crítica passou a ser o modo como o Estado estava articulando a “chegada do social” nesses territórios. Ou, para ser mais precisa, o alvo central das reclamações passou a ser a demora dos investimentos prometidos.

INDETERMINAÇÃO

Início das UPPs

ROTINIZAÇÃO

Ápice da consolidação / Início da desconstrução do consenso

PROBLEMATIZAÇÃO

Desarmamento das críticas que eram feitas à política de segurança pré-UPP

Quebra definitiva do consenso/ Polarização da crítica NOVAS INDETERMINAÇÕES Desconstrução progressiva do consenso/ Renovação

das energias críticas

NOVAS INVESTIGAÇÕES Dúvidas em relação ao futuro do projeto TESTES Construção do consenso em torno das UPPs/ Silenciamento das

críticas feitas ao projeto

Consenso de que a “política do confronto” estava sendo contrapoducente

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Não só os moradores reclamam desses problemas, mas também os próprios policiais da UPP. Eles apontam que a demora da chegada dos investimentos sociais prometidos prejudica o trabalho deles no morro, já que “tudo acaba caindo no colo da polícia” e é colocado “na conta da UPP”. O Governo tentou dar uma resposta a essa crítica ao criar, em 2010, a UPP Social. No entanto, em maio de 2011, Beltrame declarou publicamente que não gostara do nome dado a UPP Social. Em uma entrevista ao jornal O Globo, o secretário afirmou ser contra o nome porque “a UPP não é social, ela proporciona o social, permite que o social aconteça. Além disso, se a UPP Social começar a não acontecer, pode me levar junto. E eu não quero isso”. A previsão de Beltrame hoje parece ter sido uma profecia. Os projetos Territórios da Paz e UPP Social – que mudou de nome novamente em 2014 e passou a se chamar Rio Mais Social – receberam muitas críticas nos últimos anos – como mostrou o capítulo 7 – e o fracasso deles foi mais um fator que contribuiu para abalar o consenso que havia em torno do sucesso das UPPs e que, pouco a pouco foi se enfraquecendo.

Além de criticarem o déficit nos investimentos sociais, entre 2010 e 2011, moradores de favelas “pacificadas” passaram a tematizar em suas conversas cotidianas o surgimento de novas inseguranças em “tempos de paz”. Uma delas vem sendo gerada pelo aumento do custo de vida e da especulação imobiliária que faz os moradores temer não ter condições para se manter morando em favelas “pacificadas” nos próximos anos. E outra insegurança surgida está relacionada ao aumento dos crimes não letais após a chegada da UPP. Como mostrado no capítulo 8, a multiplicação de casos de furto e estupro em áreas “pacificadas” serviu como um trampolim para a elaboração de críticas ao policiamento feito pela UPP.

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por outro lado, os moradores observavam que a “volta da corrupção” estaria colaborando para o (re)fortalecimento.

Até o início de 2011, os comentários sobre a corrupção policial e o rearmamento dos traficantes, que estariam voltando a andar de pistola em algumas favelas “pacificadas”, a ter pontos fixos de venda de droga e a cometer atos violentos dentro da favela (como matar e dar surra em moradores), circulavam apenas no boca a boca e não ganhavam destaque na grande mídia. No meio de 2011, contudo, começaram a proliferar matérias sobre tiroteios e mortes violentas tanto de moradores como de traficantes e policiais nas favelas com UPPs onde a “pacificação” já estava consolidada e, principalmente, em áreas recém-“pacificadas”.

Entre 2012 e 2013, houve um aumento no número de UPPs inauguradas na cidade do Rio de Janeiro. Só no ano de 2012 foram inauguradas 10 novas UPPs – como pode ser verificado no quadro abaixo. Vale notar que essa expansão do projeto ocorre sobretudo em favelas maiores, de difícil controle e muito mais hostis à presença permanente da polícia.

Ano No de UPPs

inauguradas

UPPs inauguradas

2008 1 Santa Marta

2009 4 Cidade de Deus; Batan; Babilônia e Chapéu Mangueira; Cantagalo e

Pavão-Pavãozinho

2010 7 Tabajaras e Cabritos; Providência; Borel; Formiga; Andaraí; Salgueiro; Turano

2011 6 São João, Matriz e Quieto; Coroa, Fallet e Fogueteiro; Escondidinho e Prazeres; São Carlos; Mangueira; Macacos 2012 10 Vidigal; Nova Brasília; Fazendinha; Adeus e Baiana; Alemão; Chatuba;

Fé e Sereno; Parque Proletário; Vila Cruzeiro; Rocinha

2013 8 Jacarezinho; Manguinhos; Barreira do Vasco e Tuiuti; Caju; Cerro-Corá; Arará e Mandela; Lins; Camarista Méier

2014 2 Mangueirinha; Vila Kennedy

Elaboração da autora.

Em abril de 2012 a UPP chegou ao Complexo do Alemão; em junho, ao Complexo da Penha; e, por fim, em setembro, à Rocinha. De maneira distinta das outras favelas pacificadas até então, o tráfico de drogas dessas localidades apresentavam uma forte resiliência ao projeto pacificador; mesmo depois da ocupação policial, manteve-se a lógica do enfrentamento armado264. O que mostra que todo o                                                                                                                

264 Gostaria ainda de salientar que em muitos lugares como na Vila Cruzeiro e na Rocinha – sobretudo

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processo analisado ao longo dessa tese, e que ocorreu nas duas primeiras favelas pacificadas, não foi reproduzido exatamente da mesma forma em outras localidades.

Ouvi moradores e policiais criticarem essa expansão acelerada do projeto, apontando que o governo estaria dando “um passo maior do que as pernas”, correndo para inaugurar novas UPPs e seguir o cronograma de chegar até 40 unidades em 2014 para preparar a cidade para a Copa do Mundo, mas que assim o processo de “pacificação” estaria perdendo em termos de qualidade. Durante uma entrevista, um policial da UPP do Parque Proletário definiu a situação dizendo que:

agora está meio que uma fábrica. Você viu hoje, não é? Em três minutos inaugura uma UPP. Toda hora, toda hora. Em locais que... O Complexo do Alemão era o QG do tráfico, não é de uma hora para a outra que você vai botar a polícia lá e todo mundo vai aceitar. É só você parar para pensar. (…) E da forma que é feita, avisa que vai entrar, avisa quando vai ser, não prende ninguém, todo mundo está lá ainda. É complicado. (Trecho de entrevista com policial da UPP do Parque Proletário)

Beltrame deu uma resposta à essa crítica afirmando que se ele dirigisse uma empresa privada, poderia ter a cautela de não ocupar todos os mercados. Segundo o secretário, “por uma questão de qualidade, de competências, de carências de recursos humanos, ou mesmo por causa de uma maior complexidade, a melhor opção pode ser a de não crescer” (2014, p. 180). Contudo, no setor público essa escolha não existe, pois “se a ideia aplicada fez sucesso em um lugar, imediatamente o gestor público será por mais atendimento, mais áreas de cobertura, mais daquilo que deu certo”. E foi isso que ocorreu com as UPPs:

O Santa Marta nos mostrou que o projeto tinha tudo para funcionar; os indícios de criminalidade na vizinhança despencaram e, por conta disso, muita expectativa foi gerada. O resultado ali foi tão promissor que passou a ideia equivocada de que toda UPP seria padrão Dona Marta por onde aportasse. Mas a prática mostrou mais uma vez que segurança pública e criminalidade têm matrizes muito próprias. Área por área. Nem sequer há casos semelhantes no mundo quando falamos de policiamento ostensivo em comunidades enormes, com mais de 100 mil habitantes, do tamanho da Rocinha e do Complexo do Alemão. (BELTRAME, 2014, p. 181)

Além da expansão acelerada do projeto, outro fator que ajudou a abalar o consenso em torno do sucesso das UPPs foi o aumento do número de homicídios em favelas “pacificadas”. Em 15 de junho de 2011 ganhou destaque nos jornais e                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

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noticiários televisivos o primeiro registro de auto de resistência decorrente da ação de policiais da UPP. O caso que envolveu policiais da UPP do Pavão-Pavãozinho foi divulgado em uma matéria no jornal televisivo Bom Dia Brasil da Rede Globo:

No Rio de Janeiro, um rapaz foi morto com um tiro nas costas por um policial militar em uma favela da Zona Sul do Rio. É o primeiro caso desse tipo em uma UPP. André Lima Cardoso, de 19 anos, morreu baleado por soldados de uma UPP na madrugada de domingo (...). Há versões diferentes sobre o que motivou a morte do jovem e como tudo aconteceu. A mãe diz que André não usava drogas, não tinha armas e estava empregado. (...) A polícia diz que o jovem foi encontrado em atitude suspeita com outros dois homens. De acordo com o registro feito pelos policiais, André teria feito um disparo contra os soldados. (...) O crime foi registrado pelos soldados da Unidade de Polícia Pacificadora como homicídio por auto de resistência. (Trecho da reportagem “Rapaz é morto com tiro nas costas por policial em UPP no Rio de Janeiro” divulgada no Bom Dia Brasil no dia 15 de junho de 2011)

Dez dias depois, outro caso de violência em uma favela com UPP ganhou repercussão na mídia carioca. Policiais faziam uma ronda na Coroa, uma favela “pacificada” localizada na área central da cidade do Rio de Janeiro, quando foram atingidos por uma granada arremessada por traficantes. Todos os policiais que participavam da ronda ficaram feridos e um deles teve que ter as pernas amputadas depois do ataque. Vital da Cunha aponta que esse caso deva ser pensando como “um ponto de inflexão na cobertura midiática sobre as UPPs”. Isso porque,

esse evento de violência em particular e os demais que se seguiram a ele fizeram brotar o que estou chamando de “medo do retorno do medo”. Assim, os veículos de comunicação analisados produziram matérias e muitas outras foram dispostas nos jornais televisivos destacando uma eclosão da sensação de insegurança que até então parecia adormecida. A “cidade pacificada” parecia estar em xeque com a publicização, na mídia de massa, de críticas de moradores de favelas e praças da polícia militar sobre o cotidiano nessas unidades. (VITAL DA CUNHA, 2015 p. 42)

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Assim como esse caso, diversos outros surgiram nos meses posteriores colocando em dúvida a possibilidade de sustentação e eficácia das UPPs. Aliado a isso, o aumento das denúncias de corrupção. Em setembro de 2011, por exemplo, policiais da UPP do Fallet foram presos depois da denúncia de um esquema de corrupção no morro. Na época, Beltrame veio a público declarar que esses policiais deveriam ser punidos, mas que o caso não colocava o projeto das UPPs em xeque265.

As dúvidas em relação a sustentabilidades do projeto ganharam ainda mais força em 2012, com a inauguração de UPPs em favelas como as do Complexo do Alemão, Vila Cruzeiro e Rocinha. Nessas localidades, os conflitos armados passaram a ser constantemente noticiados. Em julho de 2012, teve grande repercussão a notícia da primeira morte de uma policial em serviço em uma favela “pacificada”266.

Nos meses seguintes ocorreram novos confrontos e novas mortes de policiais. Em dezembro já se somavam cinco mortes de policiais no ano de 2012 e proliferavam-se denúncias de corrupção em morros “pacificados” como o da Coroa e o da Providência. Nesse momento começaram então a surgir na mídia referências a uma suposta crise nas UPPs. Inicialmente, o Governo do Estado tentou negar que o projeto estivesse em crise. O coronel Paulo Henrique de Moraes, quando assumiu, em dezembro, o comando das UPPs declarou para o jornal Folha de S. Paulo que era “um pouco forte dizer que estejamos em um momento de crise”.

A partir do fim de 2012, quatro anos depois da inauguração do projeto das UPPs, as energias críticas foram renovadas conseguindo, assim, articular novas demandas que passaram a atingir diretamente o projeto e, tal como Boltanski e Chiapello (1999) apontam como um dos efeitos possíveis da crítica, obrigaram os seus porta-vozes – no caso, o governo – a se justificarem publicamente em termos do                                                                                                                

265 “O secretário de Segurança do Estado do Rio, José Mariano Beltrame, afirmou nesta segunda-feira

(12) que não há crise nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), (...). Segundo ele, os policiais militares envolvidos no esquema de propina serão excluídos por essa falta. (...) “Não é uma crise (nas UPPs), isso não existe. São 40 anos ou mais de ilhas de violência e estamos entrando e permanecendo nesses lugares. Nunca vendi a ilusão, e nunca venderei, de que não enfrentaríamos problemas, mas é imprescindível que se continue. Não podemos perder força”. (Trecho de reportagem “Não é uma crise nas UPPs”, divulgada no Portal IG no dia 13 de setembro de 2011)

266 “A soldado Fabiana Aparecida de Souza morreu após levar um tiro de fuzil 762, em um ataque à

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bem comum. O consenso em torno das UPPs começou a ser desfeito com o surgimento de cada nova crítica à volta dos tiroteios, das mortes, dos abusos policiais e dos casos de corrupção em áreas “pacificadas”. O ápice desse processo de rearmamento ou reintensificação da crítica ocorreu com o caso do desaparecimento de Amarildo e toda repercussão que ele gerou por ter ocorrido em um momento em que grandes manifestações estavam acontecendo em quase todas as capitais brasileiras.

O mês de junho de 2013 foi marcado por manifestações e mobilizações sociais em todo o Brasil. Convocadas originalmente pelo Movimento Passe Livre de São Paulo, os atos contra o aumento das tarifas de transporte público ganharam corpo e adesões em massa e em pouco tempo multiplicaram-se por todo o país manifestações que continham múltiplas pautas. O curso dos eventos mostrou-se como um ponto de inflexão na história das mobilizações sociais brasileiras.

No mês de junho, as manifestações foram tão intensas que chegaram a mobilizar um milhão de pessoas em um só dia (20 de junho). E, posteriormente, em julho, novas manifestações ocorreram. Inicialmente, nas manifestações realizadas em junho e no início de julho no Rio de Janeiro, críticas ao projeto das UPPs apareciam de modo discreto como bandeira levantada por uma parcela dos manifestantes.

Alguns moradores de áreas “pacificadas”, impulsionados pela energia crítica presente na atmosfera da cidade naquele momento, passaram a organizar manifestações nos bairros aonde vivem. No dia 8 de julho, os moradores do Santa Marta, por exemplo, organizaram um protesto pelas ruas de Botafogo para expressar sua insatisfação em relação à distorção que havia entre a imagem vendida da favela e a experiência cotidiana no morro. Segue abaixo a convocação para a reunião:

“Queremos Favela Modelo de verdade e não maquiagem!”

Tá cansado de pagar conta de luz muito alta?

Cansado de ter que subir a pé por causa das más condições do bonde?? Cansado de pagar esgoto quando ainda temos valas abertas?

Vivendo a insegurança de ser removido?? Então vem pra rua!

O Santa Marta vai descer e reivindicar pra ser uma FAVELA MODELO de verdade!

Venha expressar sua insatisfação e lutar por seus direitos. Esse é um ato organizado por nós moradores. 2a feira - dia 08 de julho às 16hs na Pracinha.

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Em meados de julho, contudo, as críticas às UPPs deixaram de ser uma bandeira levantada apenas por poucos manifestantes e ganharam uma estrondosa visibilidade a partir do desaparecimento de Amarildo de Souza. O pedreiro, que era morador da Rocinha, sumiu depois de ser levado por policiais da UPP para prestar depoimento em uma das sedes da UPP da Rocinha em julho de 2013. Embora o corpo de Amarildo nunca tenha sido encontrado, pouco a pouco foram surgindo fortes indícios de que policiais da UPP da Rocinha teriam torturado e matado o pedreiro.

Por ter ocorrido em um momento no qual grandes manifestações estavam acontecendo em todo o país e em que a atuação da polícia vinha sendo bastante criticada pelos excessos cometidos durante os protestos, o caso Amarildo acabou gerando uma comoção nacional. O questionamento “Cadê o Amarildo?” virou uma das principais bandeiras das manifestações a partir de julho. Devido à pressão exercida pela população nas ruas, o secretário de Segurança e o governador tiveram que vir pessoalmente a público, por mais de uma vez, dar respostas ao ocorrido267. Nessas respostas Cabral sempre tentava indicar que aquele era um caso isolado, dizendo, por exemplo, que “o caso Amarildo não é a marca da UPP”. No entanto, conforme as investigações foram avançando tornou-se evidente que aquele não tinha sido um ponto fora da curva, mas uma prática muito mais comum do que se imagina e se falava publicamente.

                                                                                                               

267 Em 6 de setembro de 2013, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) anunciou a troca de

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10.5. O fim do consenso e a polarização da crítica às UPPs

O caso Amarildo acabou abrindo espaço para um amplo questionamento sobre as UPPs. Ele foi o marco que produziu a quebra definitiva do consenso em torno do sucesso das UPPs, fazendo, a partir de então, as críticas ao projeto se polarizarem. Deixou de haver, assim, espaço para a apresentação pública de uma defesa completamente acrítica do processo de “pacificação”. Passou a haver uma disputa entre aqueles que defendem a ideia de que a continuidade das UPPs deve ser garantida, mas que elas devem reformadas e aqueles que advogam pelo fim do projeto, o que equivale ao que Boltanski e Chiapello (1999) chamam em O Novo Espírito do

Capitalismo de uma crítica reformista (que busca aperfeiçoar os elementos internos

ao dispositivo criticado) e uma crítica radical (segundo a qual o próprio dispositivo como um todo deve ser colocado em xeque).

Os representantes do Governo e os apoiadores mais entusiasmados das UPPs, a partir de julho de 2013, reconheceram publicamente que, embora o projeto tivesse muitas qualidades, ele deveria sofrer ajustes. É interessante notar que eles passaram a contra-atacar quem criticava a polícia dizendo que esse tipo de crítica estava colaborando diretamente para o (re)fortalecimento dos traficantes cariocas. E associavam, assim, o rearmamento da crítica às UPPs ao rearmamento do tráfico.

Beltrame afirmou, por exemplo, que “uma polícia que é questionada é a senha de que o tráfico precisa para se recolocar” e indicou que “parte dos conflitos a que assistimos hoje nas comunidades maiores tem a ver com o vácuo de autoridade que essas crises provocam” (2014, p.176). A antropóloga Alba Zaluar também defendeu um argumento similar ao de Beltrame e afirmou, em um texto publicado em 12 de novembro de 2013, no jornal Folha de S. Paulo, que os “black blocs” teriam colaborado para o enfraquecimento da política de “pacificação”. Nas palavras dela, “se o objetivo da tática não era o fim da política de pacificação, o efeito terá sido este. Acabou o sossego dos moradores de favelas ocupadas pelas UPPs. O tiroteio voltou”.

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o caso do Amarildo, particularmente, para mim, me dá uma certa desconfiança, eu fico um pouco receoso com esse tipo de notícia, de vinculação. É uma preocupação de se acontecer algo... Qualquer excesso por parte de policial aqui dentro, qualquer erro de procedimento de um policial aqui, ganha uma proporção por conta de isso estar na mídia. Mas do dia a dia com os moradores não mudou nada. Policiamento continua o mesmo. Mas o nosso receio é justamente isso: de repente um evento que acontece aqui, aí ocorre uma briga, ocorre uma prisão de um policial por uma pessoa que o desacatou e aí aquela pessoa vai, filma, bota no Youtube e aquilo vai ganhar uma proporção porque já está ocorrendo uma tendência das pessoas desacreditarem, ou achar que são arbitrários os policiais, que o negócio não funciona, então... O receio passa a ser muito mais meu, uma preocupação muito maior para que o projeto não fique desacreditado, que não desconfiem das nossas atitudes do que efetivamente a mudança de comportamento dos moradores. (Trecho de entrevista com capitão Rocha, realizada no dia 31 de julho de 2013, enquanto ele era comandante da UPP do Morro Santa Marta)

Ouvi alguns moradores de favelas “pacificadas” indicarem que o enfraquecimento da imagem da UPP também gera uma grande insegurança entre eles. Vários de meus interlocutores especulam novamente que o projeto pode não ter “vida longa”:

Essa questão de manifestação ali, ela trouxe uma desconfiança muito grande para a gente. Por que? Todos nós sabemos, ainda que grande parte dos moradores da Cidade de Deus não entenda de política, entende que a UPP é um projeto político. Gol de letra do Sérgio Cabral, não é? O Lula veio com o Bolsa Família, o PAC, o Sérgio Cabral veio com a UPP e com a UPA. Aí fica aquela preocupação nossa de quando o Sérgio Cabral sair. Aí assume o Garotinho e ele tem desavença com o Cabral. Ele vai querer botar o projeto do Cabral para a frente? Você sabe que tudo na UPP é alugado. É viatura alugada, o contêiner é alugado, o computador é alugado, tudo é alugado. Então a gente sabe disso, sabe que a qualquer momento o projeto pode acabar. Então a gente procura manter aquela distância (da polícia) porque nós somos repreendidos (pelo tráfico). (Trecho de entrevista com morador da Cidade de Deus)

O medo de a UPP acabar atingiu não só os moradores de favelas “pacificadas”, mas também “artistas, empresários, desportistas, profissionais liberais e entidades sociais” que saíram em defesa do projeto no segundo semestre de 2013. O grupo de cariocas resolveu criar uma “rede de proteção” às UPPs, como indicou uma matéria do jornal O Globo de 24 de agosto de 2013. Para tanto lançaram o movimento “Deixem o Rio em paz” que surgiu como uma reação aos “ataques de traficantes” à sede do AfroReggae no Complexo do Alemão no fim do mês de julho268.

                                                                                                               

268 “Um dos fundadores da campanha, o coordenador do Disque-Denúncia, Zeca Borges, enumerou os

(27)

Em um movimento contrário, surgiu no fim de 2013 o “UPP 5 anos, basta”. O

slogan foi criado por integrantes de movimentos sociais e moradores de favela que

defendem a ideia que as UPPs devem acabar. Um dos argumentos utilizados contra o projeto é que ele não é universal e que gera apenas uma migração da criminalidade e da violência para áreas da cidade que têm menos visibilidade269.

Moradores de favelas, militantes e intelectuais que apoiam a ideia que as UPPs devem acabar apontam que o projeto não pode ser considerado um avanço na política de segurança pública do Rio de Janeiro. Eles defendem que as UPPs não foram desenvolvidas para garantir a segurança dos moradores de favelas, mas para “proteger o asfalto e os turistas para a chegada dos jogos. Política esta feita de cima para baixo para o preparo da cidade. Mais uma forma brutal e esclarecida de racismo do Estado que trata a favela como criminosa e violenta”, como afirmou a jornalista Gizele Martins na matéria “Um basta no racismo e nos 5 anos de UPP” divulgada no jornal comunitário da Maré, O Cidadão de 02 de dezembro de 2013.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             

tráfico. Caíram as mortes em confrontos, o número de policiais mortos, as balas perdidas. A sensação de segurança voltou, e, o mais importante, o sagrado direito de ir e vir. É por tudo isso que estamos lutando. Claro que ainda tem muita coisa a melhorar, não podemos admitir casos como o do desaparecimento do Amarildo, mas esses são problemas pontuais que serão resolvidos. O que não podemos permitir é a volta da barbárie” afirmou Zeca Borges. (Trecho da matéria “Sociedade civil se une em defesa do AfroReggae e das UPPs” divulgada no jornal O Globo de 24 de agosto de 2013)

269 Como afirma Deley de Acari: “Traficantes não são ETs. (...) Quando migram pra outras favelas

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O movimento a favor do fim das UPPs, em 2014, ganhou ainda mais força com as novas mortes de moradores de favelas “pacificadas” 270 envolvendo policiais de UPPs, como a de Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, dançarino do programa da Rede Globo Esquenta no Pavão-Pavãozinho. No entanto, é interessante notar que, entre a maior parte da população, ainda prevalecia a ideia de que o projeto das UPPs deveria ser reformado ao invés de acabar. Um sinal disso foi que na campanha eleitoral de 2014, nenhum dos candidatos a governador (inclusive Pezão que já era o atual governador naquele momento) defendeu o fim das UPPs271. Todos defenderam que o projeto deveria sofrer modificações e ser aprimorado272.

Mesmo após a vitória de Pezão, o projeto está longe de retomar a estabilidade de outrora e as indeterminações em relação ao futuro das UPPs não parecem ter cessado. Moradores de áreas “pacificadas” continuam apontando que o projeto parece estar afundando. Se outrora, ele apresentava-se como uma “luz no fim do túnel” para                                                                                                                

270 Após a execução de André, em 2011, diversos outros moradores de favelas ocupadas por UPPs

foram mortos em ações protagonizadas por agentes destas e de outras unidades da Polícia Militar. Como aponta Farias (2014) “nenhuma morte de um morador de favela provocada por um agente de estado pode ser considerada caso isolado”.

271 Garotinho desmentiu diversas vezes os rumores que circulavam que ele acabaria com a UPP caso

fosse eleito. Ele apontou que investiria mais no policiamento das ruas, mas que o projeto da UPP não ia acabar: “Anunciei no debate que promoverei o retorno do Grupamento Especial Tático-Móvel

(Getam), criado durante o meu governo e que alcançou grande êxito no combate à criminalidade nas ruas. A população está sofrendo nas mãos dos criminosos por conta da ausência da polícia nas ruas. A polícia está aquartelada nas comunidades com UPPs e as ruas estão vazias, sem policiamento. Não vou acabar com as UPPs, mas é preciso cuidar também do policiamento de rua. O governo Cabral - Pezão queria sustentar o marketing da pacificação e foi reforçando sucessivamente as UPPs reduzindo o efetivo dos batalhões”. Fonte: http://www.blogdogarotinho.com.br/lartigomobi.aspx?id=17405

(Acessado em 10 de janeiro de 2015).

272 Muitos dos cariocas que defendem o fim do projeto resolveram votar nulo, uma vez que nenhum

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